O futebol de alto nível convenceu as grandes empresas telefónicas a dar milhões pelo exclusivo em canais para assinantes
Acaba amanhã o prazo para que as estações interessadas na transmissão da Liga dos Campeões no triénio 2018/21 em Espanha apresentem as candidaturas para a compra dos direitos à TEAM, a agência que negoceia em nome da UEFA. A expectativa é a de que a guerra comercial entre as telefónicas confirme em Espanha uma tendência que vai afastar a prova mais popular do futebol europeu do canal aberto nas outras quatro nações mais poderosas do continente: em Inglaterra, Alemanha, Itália e França, a Champions vai passar a ser exclusivo da Pay-TV a partir de 2018. Os portugueses devem aqui ser poupados. Devido à exiguidade do nosso mercado, dificilmente um canal pago português teria subscritores suficientes para justificar um tão elevado investimento que levasse a UEFA a abdicar do que tem vindo a ser um dos seus princípios, que é o de assegurar a visibilidade máxima à competição.
A questão, a este nível, tem sempre a ver com os números. E os números são absolutamente estratosféricos na Europa que verdadeiramente conta. Se recordarmos que a RTP pagou cinco milhões de euros por ano, com direito a um jogo por jornada, sempre às terças-feiras, nas últimas duas temporadas – contrato que decorre até ao fim da próxima época – e que mesmo assim esse valor foi altamente contestado, o que dizer dos valores sempre acima dos 200 milhões de euros anuais que vão pagar as estações que ganharam os concursos em Inglaterra, Alemanha, França e Itália? Tudo porque a Champions está a ser o teatro de guerra entre as grandes empresas telefónicas de cada país, que sabem que com este produto premium podem garantir uma muito maior quota de mercado. O resultado é que se em Inglaterra e França já não há Champions em canal aberto desde 2015, essa realidade vai a partir de 2018 estender-se também a Itália e Alemanha. E quem não quer pagar passa a ter outras possibilidades para ver os jogos, como as plataformas de streaming por assinatura.
Além de tudo isso, a Champions vai mudar em 2018, com mais equipas dos campeonatos mais poderosos e a divisão dos jogos em dois horários – às 18h e às 20h – de forma a potenciar ainda mais os direitos de transmissão. Em Inglaterra, a British Telecom não hesitou e ofereceu mais 32% do que pagara em 2015, quando tirou os direitos à Sky Sports (paga) e à ITV (aberta) para transmitir os jogos na BT Sports. A novidade no negócio já fechado é que a partir de 2018 a ITV vai perder também o direito aos resumos, que eram transmitidos logo após os jogos em canal aberto. A BT pagou 1350 milhões de euros pelos três anos (450 milhões/ano) e passou a ter também o direito a difundir os resumos dos jogos nas redes sociais, assegurando dessa forma à UEFA que os patrocinadores continuam a ter a necessária exposição. Este caminho acaba por ser paralelo ao que foi seguido na Alemanha, onde a estação pública, a ZDF, que ainda vai oferecer um jogo em canal aberto todas as quartas-feiras até ao final da próxima época, se viu forçada a desistir da corrida com a Sky Deutschland. O canal codificado do império Murdoch, que já mostra todos os jogos da Champions neste triénio, pagou 600 milhões de euros para passar a partilhar o exclusivo dos jogos apenas com a DAZN, uma plataforma de streaming por assinatura.
A Sky já festejou, aliás, duas vitórias. Apesar de não ter conseguido recuperar a Champions em Inglaterra, fê-lo em Itália, onde viu aceite a oferta de 840 milhões de euros por três anos de Liga dos Campeões. A perder ficou a Mediaset, que mesmo assim reconheceu ter aumentado os valores que há três anos lhe haviam garantido o sucesso e que chegavam perto dos 700 milhões de euros. Os italianos ainda têm alguma esperança que a Sky chegue a acordo com a Rai ou opte por fazer com a TV8 (o seu canal aberto em solo italiano) o mesmo que a Mediaset está a fazer com o seu Canale 5, que é transmitir um jogo todas as quartas-feiras. Quem não tem grande esperança a esse nível são os franceses, onde a guerra entre o dinheiro catari (BeIN Sports) e as francesas Vivendi e Altice levou a uma escalada sem precedentes dos preços. A SFR, do grupo Altice, vai pagar 350 milhões de euros por ano – o dobro do que pagou o consórcio feito pela Vivendi e pela BeIN pelos três anos em curso – pelo direito a ficar com os jogos, que de resto os franceses já não veem em canal aberto desde 2015.
Perante este cenário, o mais normal seria que os portugueses tremessem, com o receio de deixarem de ver a Champions em canal aberto, mas é improvável que isso aconteça. Se é má para os nossos clubes – que por isso recebem menos da Champions do que os grandes dos países mais poderosos – a exiguidade do mercado nacional acaba por favorecer os tele-espectadores, pois dificilmente um canal pago teria subscritores suficientes para justificar um investimento que levasse a UEFA a abdicar de mostrar a Champions em aberto. Só para se ter um termo de comparação, a RTP pagou pelo triénio em curso 15,9 milhões de euros (pouco mais de cinco milhões por ano). Valores mínimos, se comparados com os que se praticam já do lado de lá da fronteira, onde a Movistar já pagou 120 milhões/ano para ter os jogos na BeIN Sports de 2015 a 2018, tendo depois a Antena 3 e a TV3 catalã contribuído com mais 56 milhões anuais para poderem ter jogos em aberto. Em breve se saberá o que os espanhóis terão de fazer para ver a Champions.