Grande Futebol
Gallardo: O homem que teve de aprender a acalmar-se para vencer como ninguém
2018-12-10 18:00:00
Com o triunfo na Copa Libertadores, Marcelo Gallardo é já o treinador mais titulado de sempre no River Plate.

Dentro e fora de campo, Marcelo Gallardo é um fenómeno. Calmo, sereno, repleto de classe, nos últimos anos poucos treinadores no Mundo ganharam tanto e títulos tão importantes quanto el Muñeco, o Boneco. Aos 42 anos, Marcelo Gallardo é um dos melhores treinadores do Mundo e o triunfo conseguido pelo River Plate frente ao Boca, no Bernabéu, colocam o jovem técnico com estatuto de lenda naquele que é somente o segundo projeto em que trabalhou enquanto treinador. Desde 2014 já são duas Libertadores e, em ambas, qual cereja no topo do bolo, derrotando o eterno rival Boca Juniors.

Se em 2015 o River de Marcelo Gallardo eliminou o Boca da Libertadores de forma controversa, a fasquia atingiu índices épicos de bizarria esta temporada na final eterna da maior competição de clubes da América do Sul. Em apenas quatro anos, Marcelo Gallardo elevou o River Plate a níveis “insustentáveis” e, para os rivais, insuportáveis, de sucesso e pouco lhe resta fazer agora a não ser viajar para a Europa após o Mundial de Clubes. Será? É que há pelo menos um objetivo que Marcelo Gallardo ainda não conseguiu por Buenos Aires: ser campeão argentino pelo River enquanto treinador.

Se Marcelo Gallardo não é já a maior figura da história do River Plate, talvez isso se deva a nomes como Passarella, Francescoli ou Ramón Diáz, mas com duas Libertadores como treinador e outra como jogador certamente ajudam a colocar Gallardo no topo histórico do clube de Buenos Aires. Nunca na história do River Plate um treinador havia vencido duas Libertadores e, em apenas quatro anos, Marcelo Gallardo é já o treinador mais galardoado da história do River Plate suplantando Ramón Díaz com o triunfo no Bernabéu.

À luz dos acontecimentos recentes, é fácil hoje perceber-se que Gallardo foi possivelmente a decisão mais importante da história recente do River Plate quando, dois anos após a queda à segunda divisão argentina, a direção do clube Milionário entregou o comando da equipa a Gallardo, já depois do histórico jogador ter vencido a Liga Uruguaia ao serviço do Nacional Montevideu onde terminara a carreira pouco antes. Desde 2014 que o River não sabe o que é outra coisa além do sucesso internacional. Desde 2014 poucos treinadores ganharam tanto e coisas tão importantes quanto Gallardo que logo a abrir, poucas semanas depois de ter assumido o comando do River, já vencia a Copa Sudamericana, segunda competição de clubes mais importante da América do Sul. O River tinha praticamente acabado de regressar à primeira divisão e Gallardo já levava o histórico argentino ao sucesso internacional, tornando-se no primeiro homem a vencer um título internacional pelo Riverquer como jogador, quer como treinador. Competição que o River venceu de forma invicta e, também ali, eliminando o Boca Juniors pelo meio.

Desde então seguiram-se uns impressionantes nove títulos em apenas quatro anos. Além da Sudamericana em 2014 e das duas Copa Libertadores em 2015 e 2018, Gallardo levou o River a triunfos na Recopa Sudamericana em 2015 e 2016, a uma Suruga Bank Championship em 2015, a duas Taças da Argentina em 2016 e 2017 e ainda a uma Supertaça Argentina em 2017. Falta, por isso, algo que conseguiu enquanto jogador ao serviço do River em seis ocasiões: sagrar-se campeão argentino pelo River, naquele que deverá ser o grande objetivo de Gallardo caso não viaje já para a Europa e nem um triunfo no Mundial de Clubes está descartado atendendo ao nível que o Real Madrid (não) vai apresentando - em 2014 ficou muito perto desse título ao perder a Liga Argentina para o Racing por dois pontos apesar de ter dominado o torneio quase na sua totalidade e atravessado mesmo uma série de 32 jogos sem perder.

Se como jogador Marcelo Gallardo foi de um nível distinto, dotado de uma inteligente e classe refinada, bem sucedido na Argentina, em França - onde foi campeão pelo Mónaco e distinguido como o melhor jogador a atuar em França -, na MLS e até no Uruguai, como treinador, Gallardo vai mantendo a classe que sempre lhe fora reconhecida. Como em 2017, quando o River venceu de forma histórica o Jorge Wilstermann por 8-0 e ao ser aplaudido pelos adeptos do River, apontou para os seus jogadores. Eles sim, mereciam ser aplaudidos. Nem sempre foi assim, admite, cresceu com o tempo.

“Sou passional, sangue quente, reajo a certas cosias que me vão acontecendo. Com o tempo fui conseguindo lidar com algumas dessas frustrações que muitas vezes aparecem quando há algo que não está a correr bem. Injustiças, por exemplo. Mas comecei a ser um pouco mais cuidadoso na forma de me expressar. Antes era pior, reagia em demasia e em alguns momentos passei mal. Era muito sangue quente, na rua, no carro. Essas coisas consegui aprender a lidar com o tempo. Não são boas recordações, hoje tenho vergonha de algumas coisas que se passaram. Mas uma pessoa aprende, vai crescendo para a vida”, afirmou em 2014 ao Clarín numa rara entrevista, admitindo ter visitado um psicólogo para o ajudar, uma só vez, quando tinha 20 anos.

“Comecei a ver ali que estava em processo de amadurecimento, como assumir que havia algumas coisas que não conseguia lidar sozinho e precisava de ajuda. Na verdade, não é fácil resolver algumas cosias coisas que se passam na tua vida e que vão demasiado rápido: aos 12 cheguei ao River, aos 15 já estava a jogar, aos 16 assinei o meu primeiro contrato, aos 17 jogava na primeira equipa, aos 18 estava na seleção. E tinha os meus amigos e as minhas coisas na cabeça. Apesar de não ser o tipo de pessoa que leva tudo à frente, as mudanças foram acontecendo de forma muito rápida e quando começas a chocar e a ter frustrações, percebes a realidade das coisas e começas a fazer perguntas. Aos 19 anos comecei a fazer muitas dessas perguntas e ainda hoje continuo a fazer”, admitiu.

Em boa hora o fez. Afinal, talvez tenha sido esse crescimento que lhe permitiu, hoje, ou ontem, melhor dizendo, fazer história. O que reserva o futuro d’el Muñeco, já hoje, um dos melhores treinadores do Mundo?