O selecionador defendeu o capitão e tentou pôr a equipa à frente da sua maior estrela. Se os russos e o Mundo deixarem.
Fernando Santos pode não ser capaz de recitar de cor o nome completo de Cristiano Ronaldo, como fez menção de fazer quando quis dizer que punha as mãos no fogo por ele, pelo cidadão Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro, mas tem a certeza de uma série de outras coisas acerca da participação de Portugal na Taça das Confederações. Uma delas é a de que precisa de canalizar ao máximo as energias geradas pela polémica em torno do capitão de equipa para o “nós”, que tantas vezes citou na véspera do jogo com o México, depois de colocar um abrupto ponto final nas perguntas acerca das diatribes da maior estrela do futebol Mundial. Outra será a de que tem de aproveitar esta prova para ganhar jogadores e alargar o grupo. Outra, ainda, a de que quer ganhar a simpatia do povo russo. A terceira poderá ser a mais difícil.
Se as Taças das Confederações servem para testar a resposta dos países que um ano depois vão organizar os Mundiais, então a Rússia não deve apresentar grandes dificuldades. Tirando as derrapagens absurdas nos custos do estádio de São Petersburgo – que parece ter chegado aos 672 milhões de euros – não se anteveem os problemas organizativos da África do Sul em 2009 ou as manifestações populares de protesto do Brasil em 2013, pela simples razão de que, aqui, o protesto não é uma coisa muito bem-vista. Alexei Navalny, líder da oposição a Vladimir Putin, foi detido por 25 dias por ter tentado organizar uma manifestação de contestação, devendo sair em liberdade na semana após a final, já sem a imprensa estrangeira na Rússia. Mesmo bem tratados, ainda que sempre com as portas da ambiguidade entreabertas – a solicitude é tanta que se confunde com excesso de controlo – os jornalistas estrangeiros não são também assim tão bem encarados num estado que já não é o símbolo do secretismo dos anos da “Guerra Fria” mas que aos olhos de um ocidental continua a ter excesso de policiamento: à entrada em Kazan, já passava da uma da manhã, tive de superar dois controlos de passaporte, um formal e outro extraordinário, e mais dois alfandegários, precisamente por ser jornalista. “Se fosse um adepto normal podia passar?”, perguntei. “Sim, claro”, respondeu-me a simpática tradutora que acompanhava os polícias na sua zelosa atividade.
Depois, há outra coisa que deve ser lembrada acerca dos russos. Eles são muitos. São tantos e nasceram numa cultura de tal forma auto-suficiente que, com raras exceções, não se dão sequer ao trabalho de aprender outras línguas. Vivem fechados na sua própria bolha e estão-se bem nas tintas para as outras seleções. Como poderá ver-se nas dificuldades que, mesmo sendo os russos tantos, a organização terá para compor os estádios nos jogos que não envolvam a equipa da casa ou a de Portugal. Fernando Santos abriu a primeira conferência de imprensa em solo russo com um agradecimento ao povo russo pela forma como a equipa foi recebida, mas aqui foi ele que colocou inadequadamente o “nós” à frente do nome do tal cidadão pelo qual põe as mãos no fogo. Os russos querem ver Cristiano Ronaldo, como todo o Mundo quer ver Cristiano Ronaldo, porque a presença de Cristiano Ronaldo é um dos poucos aspetos que dão interesse real a esta competição. O outro, pelo menos para os portugueses, tem muito mais a ver com a seleção nacional do que com a competição em si e prende-se com a capacidade de renovação da equipa liderada por Fernando Santos.
Como o Régis Dupont tão bem explicou, em artigo de opinião aqui publicado hoje, a Taça das Confederações é inimiga dos Mundiais: quem aqui chega tem a tentação de procurar manter a base que lhe garantiu a presença – no caso de Portugal a base do Europeu – e se as coisas lhe correm bem alarga essa tentação por mais um ano, ao Mundial que se segue, onde se chega com uma equipa envelhecida, cansada, petrificada. Questionado por um jornalista brasileiro, Santos diz que não vê grandes diferenças entre esta equipa e a que ganhou o Europeu, mas lá pelo meio sempre foi dizendo que estão aqui “oito jogadores novos”. A confirmar-se o regresso de Nani (ou até Quaresma) à equipa e o sacrifício de Gelson, que não respondeu tão bem como titular na Letónia como tinha feito ao entrar na segunda parte frente a Chipre, desses oito, só André Silva será titular frente ao México. Mas o sucesso neste aquecimento para o Mundial passa muito pela capacidade do selecionador envolver o sangue novo. Tem, para já, três jogos para o fazer.