Grande Futebol
Fazer muito com pouco e tornar a Irlanda do Norte numa força quase impenetrável
2017-09-05 11:00:00
Ascensão da Irlanda do Norte está intimamente ligada à chegada de Michael O'Neill ao comando técnico da equipa

Dois golos sem resposta, ontem, em Belfast, no Windsor Park frente à República Checa permitiram à Irlanda do Norte garantir, pelo menos, um lugar no play-off de qualificação para o Mundial 2018 que irá ser disputado na Rússia. Se o primeiro lugar do grupo C da zona europeia parece entregue à Alemanha – a Irlanda do Norte está a cinco pontos dos germânicos numa altura em que faltam disputar apenas seis -, uma possível qualificação para o Mundial 2018, por parte dos norte-irlandeses, encerraria um feito nunca conseguido pela federação britânica: nunca a Irlanda do Norte se qualificou de forma consecutiva para fases finais de grandes competições de seleções. Nem mesmo quando Danny Blanchflower, Pat Jennings, Pat Rice ou, claro está, George Best, estavam no ativo. 

A ascensão dos norte irlandeses à verdadeira competitividade no panorama mundial de seleções está intimamente ligada à contratação de Michael O'Neill como selecionador nacional. Contratado ao Shamrock Rovers da República da Irlanda, clube que liderou ao bicampeonato irlandês em 2010 e 2011, O'Neill retirou a Irlanda do Norte da sua pior fase futebolística de sempre e colocou o conjunto britânico junto das melhores equipas do continente. Ora liderando a equipa ao melhor ranking FIFA desde que o mesmo foi instituído, ora qualificando a Irlanda do Norte para o seu primeiro Campeonato da Europa de sempre em 2016 – a primeira grande competição de seleções com participação norte-irlandesa em trinta anos. Uma carreira marcada pela dificuldade, ainda assim, desde o momento em que foi anunciado para o comando técnico do futebol do território, já que nem o seu catolicismo foi ignorado. Consiga, a Irlanda do Norte, a qualificação para o Mundial 2018, será a primeira vez que a federação britânica participa em grandes competições de seleções de forma consecutiva. Até hoje, só nos anos 80 a Irlanda do Norte ficou perto disso, quando Billy Bingham liderou a federação britânica aos Mundiais de 1982 e 1986, falhando a qualificação para o Europeu de 1984 apenas na diferença de golos, depois de terminar a fase de qualificação em igualdade pontual com a Alemanha Ocidental. 

O futebol da Irlanda do Norte não é o mais entusiasmante do panorama europeu, mas, assente numa organização defensiva coesa, no espírito batalhador da equipa e na eficácia ofensiva, bem como uma exploração letal dos esquemas táticos, os norte-irlandeses têm-se assumido como uma das equipas mais difíceis de bater ao nível europeu. Particularmente, jogando em casa. Ontem, por exemplo, frente à República Checa, a Irlanda do Norte alcançou a sexta vitória na fase de grupos de qualificação para o Rússia 2018, terminando a partida com 27% de posse de bola, conseguido chegar ao golo nos únicos dois remates que enquadrou com a baliza checa. Uma vitória que, ainda assim, permitiu ao conjunto de Michael O'Neill alcançar uma sequência de cinco vitórias consecutivas algo nunca conseguido na história da federação, ainda para mais, sem qualquer golo sofrido durante as mesmas. O'Neill, diga-se, não é alheio a sequências históricas. Já em 2015 e 2016, o técnico norte irlandês liderou a Irlanda do Norte a uma sequência de 12 encontros consecutivos sem qualquer derrota, algo que até então nunca havia sido conseguido na história do futebol da federação britânica.  

A ascensão norte-irlandesa desde a chegada de Michael O'Neill ao comando técnico da federação é impressionante. Das dúvidas iniciais, motivadas por questões sociais/culturais, mas principalmente por derrotas frente à Noruega e Holanda (esta, por 6-0) nos dois primeiros encontros sob o comando de O'Neill, à redenção completa passaram menos de meia dúzia de anos. Pelo meio, O'Neill escalou o ranking FIFA tendo liderado a Irlanda do Norte de um terceiro mundista futebolístico 129º lugar em 2012, ao 22º lugar em junho, o registo mais alto da história da federação. Os primeiros anos de O'Neill não foram fáceis para o técnico irlandês mas os últimos meses comprovam que a paciência e a consolidação de métodos de trabalho dão quase sempre frutos, mesmo com um conjunto de jogadores em que apenas três deles jogam numa grande liga europeia (Jonny Evans, Chris Brunt e Steven Davies). Mais que isso, mesmo com um conjunto de jogadores recrutado, quase na totalidade, nas divisões secundárias do futebol inglês. Em 2015, O'Neill tornou mesmo a Irlanda do Norte na primeira federação a vencer um grupo de qualificação para o Campeonato da Europa saída do quinto pote do sorteio para a mesma. 

Michael O'Neill faz muito com pouco e depois de ter liderado o Shamrock Rovers ao bicampeonato irlandês, ainda hoje, os últimos títulos do histórico emblema de Dublin, conduzindo ainda o clube à fase de grupos da Liga Europa, tem feito da Irlanda do Norte uma força a temer no futebol de seleções a nível europeu. De Windsor Park, particularmente, poucos saem a sorrir e nos últimos dez jogos em Belfast apenas a Croácia derrotou a Irlanda do Norte, tendo os norte-irlandeses vencido os restantes. Como o próprio Michael O'Neill referiu ontem após a vitória frente à República Checa, se até aqui, qualquer equipa pensaria à entrada para o sorteio que emparelhar com a Irlanda do Norte não seria assim tão mau, hoje, a história é bem diferente. Portugal poderá ser uma delas. Durante a fase de qualificação para o Rússia 2018 a Irlanda do Norte conquistou já 19 de 24 pontos possíveis, manteve a baliza inviolável em sete encontros (um máximo da qualificação) e os três golos sofridos pela equipa de Michael O'Neill tornam a Irlanda do Norte em uma das melhores defesas da competição apenas igualada pela Alemanha e pela Croácia. No play-off de apuramento para a fase final do Rússia 2018, evitar a Irlanda do Norte, será certamente um dos pensamentos mais frequentes de qualquer jogador, responsável técnico ou federativo.