Só com o jovem ponta-de-lança em campo a equipa permitiu a Ronaldo ser o ponto de fixação entre linhas que lhe convém
Se houve coisa que o empate entre Portugal e o México veio provar foi que não há nenhuma razão para Fernando Santos abdicar da dupla formada por Cristiano Ronaldo e André Silva na frente. Além de virem confiantes um no outro, pela forma como lhe correram os jogos desde o início da parceria, os dois completam-se e permitem à equipa uma muito melhor ocupação dos espaços, tanto entre as linhas defensivas adversárias como na área, quando se opta por meter lá cruzamentos. Claro que o resultado com os dois em campo foi o mesmo que tinha sido quando Fernando Santos manteve o jovem ponta-de-lança contratado pelo Milan ao FC Porto no banco (1-1 antes, 1-1 depois, que somados dão o 2-2 final), mas os golos aparecem muitas vezes fruto de erros e contingências várias e foi depois de voltar à fórmula CRAS que a equipa portuguesa mostrou princípios mais consolidados e mais capacidade para justificar o favoritismo que os estrangeiros lhe atribuíram antes de começar a competição.
Fernando Santos, a esse respeito, foi tão claro como podia ser e desarmou todos os que, por solidariedade ou gratidão, se empenharam na defesa da sua escolha inicial. “Fizemos um jogo mal conseguido”, disse o selecionador nacional. Foi esta a forma que encontrou de dizer que a ideia que transmitiu aos jogadores no início não funcionou: a opção por Nani ao meio, em vez de André Silva, servia para condicionar a organização ofensiva de um México onde, como disse Juan Carlos Osorio, o “seis” (Herrera) serve sobretudo para agilizar a manobra ofensiva. Mas se no ponto de vista defensivo a presença de Nani não chegou para condicionar o jogo de circulação mexicano – “porque o resto da equipa tinha de cair mais cima e não o fez”, explicou Santos, em referência indireta a um Moutinho mais apático do que o habitual – o maior problema nem foi esse. É que este México não é uma equipa assim tão forte e encarregava-se de desbaratar essa vantagem que Portugal lhe oferecia, perdendo a bola antes de entrar no último terço e não criando, assim, situações de perigo verdadeiro. O maior problema trazido pela opção por Nani foi a forma como Portugal deixou de ter capacidade “para ter a bola”, como também disse Santos. E não teve porquê? Sobretudo porque não tinha ninguém a mostrar-se entre as linhas defensivas adversárias.
Nani cumpriu defensivamente a tarefa que Santos lhe deu, mas não deu à equipa aquilo que Ronaldo costuma dar-lhe entre linhas, quando beneficia da presença de André Silva nas suas imediações: um ponto de fixação em torno do qual a equipa possa crescer e reunir-se para o ataque à baliza. Foi por isso que, como disse Santos no final, Portugal não era “capaz de ligar passes” e caía tantas vezes no “cara ou coroa” que são as bolas longas batidas na frente. Claro que depois de o ter conseguido pela primeira vez, quando Ronaldo se soltou na esquerda e ganhou a falta de que nasceu o golo anulado a Pepe pelo vídeo-árbitro, o México tremeu, começou a meter menos gente nas suas combinações atacantes e o jogo equilibrou. Mas esse maior equilíbrio, esse maior controlo de jogo por parte de Portugal – que acabou por conduzir ao 1-0 e às “duas ocasiões para o 2-0” que a equipa perdeu – não resultou de nenhuma variação tática ou estratégica introduzida por Fernando Santos. Foi uma contingência do jogo que conduziu a equipa a essa superioridade.
Uma equipa com bons princípios costuma ganhar mais vezes do que as que perde, mas não deixa de ser evidente que uma coisa são os resultados e outra, bem diversa, os princípios que a eles levam. Se olharmos para os quatro golos deste Portugal-México, todos saíram de erros ou causalidades. No primeiro de Portugal, antes do trabalho de Quaresma – que num golpe digno do futebol de rua, travou à espera da passagem de Ochoa, como este se fosse de carrinho de rolamentos, e meteu a bola na baliza deserta –, houve um erro de Salcedo, que falhou o corte e permitiu que Ronaldo se soltasse na esquerda. No primeiro do México, foi evidente o mau corte de Guerreiro, que deixou a bola à mercê de Vela para que este servisse Chicharito para um cabeceamento em antecipação a Pepe. Depois, no segundo de Portugal, Cédric tentou cruzar e, não fosse o desvio de Herrera a meter a bola nas redes, ainda falta saber se André Silva ou André Gomes lhe chegariam em condições de marcar. Por fim, no golo do empate mexicano, Cristiano Ronaldo chegou a apontar a Rui Patrício o local de onde Moreno cabeceou, dando a entender que aquela bola saída do pontapé de canto seria do guarda-redes, mas nem isso isenta de culpas José Fonte, que saltou à frente do central mexicano e não foi capaz de o impedir de marcar o empate final – queixam-se os jogadores nacionais de que terá sido agarrado.
E isto quer dizer o quê? Que o resultado certo teria sido um 0-0? Claro que não. Tudo faz parte: tanto estes lances como também outros em que o golo esteve perto – um de Chicharito, dois de Quaresma, um de Gelson, pelo menos… – mas não entrou. E a análise detalhada dos lances dos golos pode e deve ser separada da procura das razões mais profundas que se encontram no futebol das duas equipas. Porque, como disse atrás, se Portugal melhorou depois de Ronaldo acionar o despertador com o tal raide, aos 17’, foi por ter conseguido roubar ao México a confiança que o início a mandar na bola e no ritmo de jogo lhe tinha proporcionado. Santos terá aproveitado o intervalo para corrigir posicionamentos e atitudes reativas, mas não terá ficado satisfeito e, antes de voltar à fórmula dos últimos jogos, ainda apostou num 4x3x3 com Quaresma e Gelson bem abertos nas alas e André Gomes a tentar aproximar-se de Ronaldo, a partir daí ainda mais só na frente. O jogo ficou então naquele impasse que costuma conduzir os xadrezistas ao empate e ao aperto de mão final: ao México, o ponto sabia a pimentos chipotle; Portugal tinha os homens da frente todos muito longe uns dos outros para poderem combinar e chegar ao golo.
Nessa altura, muito dependia de Fernando Santos. Ou aceitava o aperto de mão ou ia à procura da vitória. A aposta em André Silva, aos 80 minutos, mesmo com sacrifício de Quaresma, foi a forma do selecionador nacional dizer que queria ganhar. Voltou ao 4x4x2 e às movimentações que mais favorecem a equipa na sua manobra atacante, tendo sido nessa altura que se viu o melhor de Portugal. Não chegou para ganhar, mas há-de ter servido pelo menos para mostrar que os melhores princípios são estes. A rever na quarta-feira, em Moscovo, frente à Rússia.