Grande Futebol
Doping e envenenamento: quando um jogo histórico pode não passar de um embuste
2018-03-20 17:55:00
Com Camacho no olho do furacão, Espanha é acusada de doping e de envenenar adversários num jogo histórico.

Sevilha. Dezembro de 1983. Espanha entrou em campo perante Malta a precisar de um milagre para se qualificar para o Europeu 1984 organizado por França. Só uma vitória por 11 golos de diferença colocava Espanha no torneio, eliminando a Holanda no Grupo 7 da fase de qualificação. 19 mil pessoas estavam no Benito Villamarín, casa bética, e assistiram a História em versão futebolística. Poucos acreditavam que tal fosse possível quando Espanha saiu para intervalo a vencer por “apenas” 3-1, mas Espanha conseguiu-o. Fez história. Quando o turco Eksan Göksel apitou para o final do encontro, Espanha vencia Malta por 12-1. O jogo é ainda hoje um dos mais importantes da história do futebol espanhol, mas nunca foi bem aceite pelos malteses. Esta semana, no programa Fiebre Maldini, estalou o vidro: o selecionador maltês da altura e vários internacionais da equipa acusam Espanha de intoxicação e de estarem dopados.

“O meu irmão é culturista e por isso sei o que acontece quando se tomam esteroides. A energia que os espanhóis tinham era algo sobrenatural. Durante o jogo notei que lhes saía um liquido ácido da boca. Esse é um dos efeitos de se tomar esteroides. Alguns jogadores tinham essa espuma na boca”, acusou o antigo internacional maltês Silvio Demanuele. Os malteses não se ficam por aí. No programa da cadeia televisiva Movistar, acusam ainda os espanhóis de os terem drogados durante o intervalo. “Recordo-me que entrou um homem vestido de branco ao intervalo no balneário com uma bandeja grande cheia de limões cortados. Depois de chuparmos os limões, começamos a sentir-nos mal. Sentia-me embriagado, como se tivesse estado a noite toda numa festa”, acrescentou ainda Victor Scerri, à altura, selecionador maltês.

“Os espanhóis estavam sempre a beber água durante o encontro. Tinham esse líquido na boca e não paravam de beber água. Isso é sinal de que algo lhes estava a provocar desidratação. Porque nem sequer estava calor, estava frio. Hoje há testes antidoping, mas na altura não havia nada disso. Não podíamos fazer nada. Todos eram livres para fazerem o que quisessem”, acrescentou ainda o antigo internacional maltês.

A verdade, é que depois de ter saído para intervalo a vencer por 3-1, com hat trick de Santillana, e a precisar de mais nove golos para ultrapassar a Holanda e chegar ao Europeu de 1984, na segunda parte, Espanha conseguiu o milagre. Em campo estava José António Camacho, antigo treinador do Benfica, à altura, capitão da seleção espanhola e esteio defensivo da equipa de Miguel Muñoz. Foi precisamente o antigo selecionador espanhol que reagiu imediatamente às acusações maltesas, acusando os jogadores adversários de estarem “senis”.

“Naturalmente combinaram para virem agora dizer estas coisas. Um homem vestido de branco e a oferecer limões…? Por favor… então não os tomassem. Todos o fizeram? Parece-me uma loucura. Estão a mostrar ter muito pouca cultura desportiva. Passamos toda uma série de testes e nunca acusamos o que fosse. Isso da espuma na boca parece-me um exagero enorme. Não sei o que são esteroides sequer. Quando se chega a uma certa idade já não se pensa direito e penso que é que o está a acontecer”, afirmou Camacho.

Na segunda a parte a necessitar de nove golos para chegar ao França 1984, a verdade é que Espanha o conseguiu. Santillana voltou a marcar, enquanto Poli Rincón também apontou um póker frente a Malta. Maceda, Sarabia e Señor fizeram os restantes golos que tornaram a noite de Sevilha numa das mais gloriosas da história do futebol espanhol. Mas… e se tudo não tivesse passado então de um embuste? Rafael Gordillo ainda apontou um décimo terceiro golo espanhol, mas já nem isso foi necessário. Espanha estava no Europeu, no qual conseguiu mesmo alcançar a final da competição e apenas caiu na final aos pés da anfitriã França.

“Perguntei ao médico se era possível que nos tivessem drogado. Porque perdemos a cabeça na segunda parte. Não temos provas e espero que Espanha não tenha feito nada disso. Se isso realmente se sucedeu, então o futebol está totalmente arruinado” desabafou Victor Scerri. As queixas dos responsáveis malteses vão ainda mais longe do que o sucedido durante o encontro frente a Espanha. Até a preparação para o jogo foi “boicotada” pelos espanhóis. “Chegamos com um dia de atraso, quiseram fazer-nos treinar às 22h00 num campo sem luz. Meteram-nos num hotel muito, muito mau, que não tinha sequer restaurante, pelo que para tomar o pequeno-almoço tínhamos que nos vestir de forma normal para ir para a rua, de forma a que os adeptos espanhóis não nos reconhecessem. Não nos deixaram dormir com o barulho que faziam”, recordou ainda Carmel Busuttil. Nem o árbitro da partida escapou às acusações maltesas. Emanuel Fabri considerou-o mesmo o pior que alguma vez ajuizou um jogo seu.

“Se pudesse apagar este jogo da minha memória, era o que faria. Uma pessoa tem o seu orgulho, isto vai perseguir-nos para sempre”, concluiu Fabri. Até às conquistas espanholas nos Europeus e Mundiais de 2008, 2010 e 2012, muitos consideraram o encontro entre Espanha e Malta o jogo mais glorioso da história da seleção espanhola. Mas… e se tudo não tivesse passado de um embuste? Esse é, pelo menos, o entendimento dos antigos internacionais malteses.