Djaniny é o rei do México. Não, o México não é uma monarquia, mas, no futebol, Djaniny seria um bom candidato a rei. Ser o melhor marcador do campeonato, depois de três boas temporadas, faz deste cabo-verdiano uma estrela. Ele que foi um autêntico fantasma, no Benfica (não chegou a jogar na equipa principal), que encontrou um novo pai e que era amado e odiado, nos Açores. Pelo menos foi o que nos disse quem conhece bem este rapaz desde tenra idade. Deixemos isto mais para a frente.
Falámos com Filipe Soares, atualmente a jogar no Angrense, que foi um dos que recebeu Djaniny no Valense, clube da ilha de São Jorge, quando o jovem Djaniny veio de Cabo Verde. Conta-nos a história do primeiro encontro entre eles.
“Ainda me lembro, como se fosse hoje, do primeiro dia em que o vi. Já se falava que ia chegar um cabo-verdiano que vinha para a escola profissional da ilha de São Jorge, mas que vinha jogar para o Velense. Eu estava a descer a rua da minha casa, julgo que estava com uns colegas que jogavam comigo na altura, e passa o rosto e a alma daquele clube, Dominique Gambão, com o Djaniny na carrinha do clube. Parou para o conhecermos, mas o rapaz tinha acabado de chegar e penso que nem deu uma palavra, tal era a timidez (…) era um miúdo muito tímido, pouco falava, normal para a idade que tinha e por estar a viver uma mudança radical na sua vida – deixar a família para trás para vir em busca do seu sonho. Mas com o passar do tempo essa timidez passou e deu lugar à alegria e boa disposição característica do povo cabo-verdiano”.
Para além da timidez, Filipe Soares fala-nos de um rapaz humilde, mesmo num contexto em que era melhor do que os colegas. “Via-se que ele era um homem humilde, com um bom coração. Apesar da superioridade futebolística apresentada, não se achava superior a ninguém. Dava-se bem com toda a gente e era uma pessoa muito querida por colegas e toda a estrutura e adeptos do Velense. Mas claro que, pelos adversários, era ‘odiado’”, acrescenta, entre risos.
Falámos também com Hugo Gomes e Dejan Skolnik, ex-colegas de equipa. O primeiro define Djaniny como “uma pessoa calma e muito brincalhona”, enquanto o esloveno define Djaniny como “uma pessoa muito positiva, muito simpático, afável e sempre disponível para estender a mão”.
Morna, batuque, funaná, cachupa e… golos
Antes de continuar, enquadremos a ascensão de Djaniny. Tal como nos disse Filipe Soares, Djaniny veio, ainda rapazola, do país da morna, do batuque, do funaná e da cachupa. Nasceu há 27 anos, em Santa Cruz, na costa oriental da ilha de Santiago, em Cabo Verde. Começou a jogar no CD Scorpion Vermelho.
Djaniny (terceiro em cima), ainda no Scorpion Vermelho
Foi descoberto pelo Velense, num torneio de convívio, numa festa em Cabo Verde. A viagem para Portugal foi pela porta dos Açores e passou dois anos em Velas, na ilha de São Jorge. Pelo menos trocou uma ilha por outra ilha. Não estranhou.
O que estranhou foi toda aquela azáfama de um clube e uma cidade já mais organizados do que o ambiente de onde vinha. Mas nada lhe faltou, garante-nos Filipe Soares, referindo-se a Dominique Gambão, dirigente que recebeu Djaniny e que faleceu há três meses.
“O Djaniny encontrou um pai adotivo que fez, literalmente, tudo por ele e que o ajudou, juntamente com outras pessoas, a sair de São Jorge e a prosseguir a sua carreira. O Dominque adorava esse rapaz como se fosse seu filho. Tinha uma estima muito grande por ele e, também por isso, acho que nunca faltou nada ao Djaniny, a não ser a sua família de sangue”, recorda Filipe Soares.
É curioso como é que o Santa Clara, mesmo ali ao lado, não conseguiu apanhar aquele peixe miúdo, que já mostrava ter potencial para ser peixe graúdo. Nos Açores, foram muitos golos. Filipe Soares faz a estimativa:“Ele marcou muitos golos em São Jorge. Não sei precisar, mas julgo serem mais de 50 em duas épocas”.
“No primeiro treino, todos nós estávamos apreensivos para a ver a qualidade do menino. Os olhos estavam postos em cima do Djaniny e via-se claramente que a qualidade estava lá e era muita. Com o desenrolar dos treinos, apercebemo-nos de que estava ali um diamante, com capacidades acima da média e que ninguém estava habituado a ver aquela qualidade pelos campos de São Jorge”.
Depois de golos nos Açores, Djaniny foi pescado pela União de Leiria. Os ares do pinhal fizeram-lhe bem. Os cinco golos em 29 jogos não foram impressionantes, mas as características físicas de Djaniny foram. Para além do tamanho, Djaniny conjugava uma velocidade assinalável para o físico que tinha, sobretudo depois do arranque, e conseguia jogar muito bem em apoio frontal, usando o físico, mas também uma técnica bastante razoável. Em suma, um avançado muito completo, tal como nos recorda Hugo Gomes, colega em Leiria: “Tem um grande potencial e qualidades técnicas muito evoluídas. É muito rápido e forte fisicamente”.
Djaniny era um dos oito jogadores da União de Leiria que estiveram no célebre jogo frente ao Feirense. Jogaram com oito e não com onze jogadores.
Scorpion Vermelho? Foi vermelho, mas não foi escorpião
Lembra-se de dizermos que Djaniny começou a jogar no Scorpion Vermelho? Anos mais tarde, isto aconteceu pela metade: ele tornou-se mesmo vermelho, mas nunca foi um escorpião matador. As características físicas e técnicas foram suficientes para despertar a atenção do Benfica, mas já diz o povo: o que nasce torto tarde ou nunca se endireita. Pois bem, a transferência de Djaniny para o Benfica começou logo mal. Resumamos: primeiro, o Velense queixou-se de que Benfica e União de Leiria combinaram o negócio sem “dar cavaco” ao clube açoriano, que dizia ter 10% do passe do jogador. Mais tarde, Djaniny foi chamado a assinar contrato com o clube encarnado, que optou por não chamar o empresário do jogador. Aliás, o pai de Djaniny chegou mesmo a dizer “o meu filho já não quer ir para o Benfica, porque não está satisfeito com o que fizeram com ele. Trataram o meu filho como um boneco e isso não está certo”.
Certo certo é que Djaniny foi mesmo para a Luz. Só não chegou foi a ver a luz do relvado, pelo Benfica, e não chegou a estrear-se pela equipa principal. Somou apenas dois jogos pela equipa B, mas o próprio chegou a dizer: “Não quero jogar pela equipa B”. Lá lhe fizeram a vontade e vieram empréstimos ao Olhanense e, mais tarde, ao Nacional.
Em Portugal, não deu. Ele tentou, mas não deu. Meteu-se num avião e foi aterrar do outro lado do Atlântico, no México. Em Torreón, tem sido um rei no Santos Laguna. Começou como reizinho, na primeira temporada (11 golos), passou a rei na segunda (14), voltou a reizinho na terceira (8 golos) e, agora, é reizão. O dono daquilo tudo.
Leva 19 golos, nesta temporada, e é o abono de família de um Santos Laguna apurado para a meia-final da Liga Clausura.
Djaniny com Ronaldinho, no México
Posto isto, poderá ser opção para se afirmar, à segunda tentativa, na Liga Portuguesa? Hugo Gomes, que se cruzou com Djaniny na União de Leiria, acredita que sim, sobretudo porque é, agora, um jogador mais maduro. “O Djaniny ainda pode singrar no nosso campeonato. Tem qualidade suficiente para isso. Talvez agora, com mais maturidade, pois talvez não se tenha afirmado como esperado devido à idade que apresentava na altura e a uma ascensão repentina na sua carreira”.
Levar fruta, mas passar por todos
Filipe Soares fala de Djaniny com clara ternura a admiração. Mesmo que, há uns anos, Djaniny o tenha feito sofrer bastante. “O que o vemos fazer no México era o que ele fazia nos campos de São Jorge: aquela passada larga, a fazer um drible e a parecer que vai perder o controlo da bola, mas aquela passada fá-lo ganhar o lance. Aqueles típicos chapéus que ele faz hoje em dia… sofri muito com ele. Encontrávamo-nos muitos vezes cara a cara”, recorda, entre risos.
Apesar de dizer que Dominique Gambão seria a pessoa ideal para falar de Djaniny, o ex-colega recorda-nos o dia em que o cabo-verdiano fez de Maradona. “Ele levava muita fruta, os adversários não o perdoavam. Mas ele partia os rins a qualquer adversário, ficavam doidos com ele. E marcou golos de todas as formas e feitios. Lembro-me de um em que pegou na bola atrás do meio campo, passou por toda a gente e fez golo. As pessoas ficavam de boca aberta com o que viam o Djaniny fazer com a bola”.