Grande Futebol
Degenek, o herói de Salzburgo que vive um conto de fadas depois do pesadelo
2018-08-30 17:45:00
Milos Degenek viveu um pesadelo enquanto criança e ontem colocou o Estrela Vermelha na Liga dos Campeões.

Para Milos Degenek a vida nunca foi fácil. Nem mesmo a carreira de futebolista, durante anos, longe do glamour ao qual o futebol de elite é muitas vezes associados. Não. Milos Degenek passou por muito, como tantos outros, para chegar até aqui. Desde que nasceu, há 24 anos, em Knin, hoje parte de uma Croácia independente - então capital da República Sérvia de Krajina, um estado formado por sérvios croatas e não reconhecido pela política internacional. Não o era há 24 anos e por isso foi difícil e sinuoso o percurso de Milos Degenek até aqui. O futebol, porém, tem destas coisas. De justiça divina. De justiça poética. Ontem, numa temporada em que regressa a casa e ao clube do coração, Degenek tornou-se herói e colocou o Estrela Vermelha na fase de grupos da Liga dos Campeões.

Ninguém nasce herói. Os heróis fazem-se. Milos Degenek que o diga. Nascido há 24 anos em Knin, filho de uma família de ascendência sérvia na Croácia, viu-se obrigado a fugir do país rumo a Belgrado durante a Operação Tempestade, batalha sangrenta e decisiva da Guerra da Independência croata. Milos era uma criança. Tinha cinco anos, viveu na pobreza e debaixo de ofensivas militares aéreas por parte da NATO durante a Guerra do Kosovo nunca sabendo se iria estar vivo quando fosse altura de acordar no dia seguinte. “Consigo lembrar-me de praticamente tudo dessa altura, nunca sabendo se iria acordar no dia seguinte devido aos bombardeamentos. Vias todo o tipo de situações macabras no dia seguinte quando acordasses. Muitas delas ainda em chamas. Muitas coisas que uma mente humana normal não consegue sequer compreender. Tive simplesmente de lidar com isso ainda numa idade bastante jovem”, contou Degenak à FIFA pouco antes do início do campeonato do Mundo deste verão.

Degenek fugiu, no virar do milénio, com a família, rumo à Austrália e tudo mudou. Num país que se preparava para receber os Jogos Olímpicos de 2000 encontrou um Mundo diferente daquele que sempre conhecera até então. Um Mundo diferente mas cujo futebol aproximou. Tal como na terra natal, também na Austrália dividiu cada momento com o futebol. Defendeu as cores da equipa do liceu e do Instituto Australiano do Desporto até receber um convite vindo da Alemanha, de Estugarda, em 2012 passando a integrar a equipa júnior do emblema germânico. “A minha família sempre me apoiou quando era pequeno, agora é a minha vez de os ajudar”, explica Degenek que graças ao futebol é agora o sustento de pais e irmão.

Hoje, Degenek é herói em Belgrado. Herói no clube do coração que apoiou e sonhou representar enquanto fazia dos destroços de Belgrado o relvado do Marakana, qual justiça poética que só o futebol parece saber tornar possível. Um golo aos 66 minutos do encontro da segunda mão do playoff de acesso à Fase de Grupos da Liga dos Campeões foi tudo o que bastou. Um golo que colocou o 2-2 final no marcador, relegou o RB Salzburgo à queda no 11º playoff consecutivo e que atirou o Estrela Vermelha para uma fase da prova milionária que não visitava desde o início dos anos 90, altura em que também venceu a competição.

Até chegar a Belgrado e ao clube do coração, também futebolisticamente Milos Degenek passou uma verdadeira aventura. Em Estugarda nunca chegou a estrear-se pela primeira equipa do clube apesar de a ela ter sido chamado por Bruno Labbadia. Manteve-se pela equipa secundária do Estugarda durante dois anos até rumar a Munique, ao 1860 Munique onde por fim sentiu o sabor do futebol profissional na segunda divisão alemã onde não ficou, também, por muito tempo. A saída para o Japão mudou-lhe, mais uma vez, a vida e hoje recorda-a como o momento que lhe possibilitou tornar-se internacional australiano.

Ano e meio no Japão foram então suficientes para convencer o Estrela Vermelha a pagar cerca de duzentos mil euros pelo passe do internacional australiano, mas sérvio de coração e nacionalidade. Assinou pelo clube que sempre idolatrou e sempre sonhou representar. Numa ironia do destino, pelo clube que colocou na fase de grupos da Liga dos Campeões pela primeira vez em quase trinta anos, acabando eleito como o melhor em campo frente ao Salzburgo. Pressão? “Eu vi tudo o que podia ter visto aos seis anos de idade, muitas coisas não mexem mais comigo nos tempos que correm”.