Grande Futebol
Cautela de Fernando Santos e erro de Pepe ensombram primeiro lugar de Portugal
2017-06-24 19:55:00
O selecionador manteve Pepe porque não quis facilitar contra a Nova Zelândia. Tornou tudo mais difícil na meia-final

O Portugal-Nova Zelândia acabou como tinha de acabar em quase todos os aspetos. Viu-se uma vitória gorda dos portugueses (4-0), uma exibição minimalista da equipa nacional, a jogar apenas o quanto baste para terminar a fase de grupos em primeiro lugar e Ronaldo mais uma vez eleito o Homem do Jogo. Só um aspeto contrariou as melhores previsões: o cartão amarelo visto por Pepe, que o afasta das meias-finais e terá deixado Fernando Santos arrependido do excesso de precaução que o levou a colocar em campo o mais fiável dos seus defesas-centrais num jogo de grau de dificuldade diminuto. “Facilitar é a pior coisa que há, é uma má mensagem que se passa”, disse o selecionador no final. Em jeito de brincadeira poderia dizer-se que talvez tenha sido essa a razão para que tentasse dificultar ao máximo a tarefa da equipa nas meias-finais, onde terá de apresentar Fonte e Bruno Alves à frente de Rui Patrício.

O momento do jogo acabou por não ser o de nenhum golo. Foi um momento em que, a meio-campo, depois de uma bola dividida que saiu com um pouco mais de força, Pepe esticou a perna de forma demasiado viril e atingiu Doyle, vendo o cartão amarelo que o afasta do próximo jogo. Estavam decorridos 55 minutos, os portugueses já venciam por 2-0 desde os 37’ e, ao intervalo, Fernando Santos já chamara Pizzi a ocupar a vaga de Bernardo Silva, que além de estar também em risco de suspensão, até se magoara a fazer o segundo golo. Pepe, que se esperava não viesse sequer a fazer parte da equipa inicial, por somar 180 minutos nos dois primeiros jogos e já ter visto um cartão amarelo, foi ficando em campo enquanto Neto aquecia. “A Nova Zelândia estava a criar perigo e se fizesse o 2-1 podia tornar as coisas mais difíceis”, explicou Santos. O próprio perceberá agora que foi um erro. Porque por mais que achasse, antes do jogo e ao intervalo, que a Nova Zelândia podia pôr em causa a goleada portuguesa, nunca na vida esta equipa da Oceânia poderá ser tão perigosa como a que chegará do Grupo B para se atravessar entre os portugueses e o regresso a São Petersburgo, para jogar a final.

As limitações da Nova Zelândia eram tudo menos físicas. Eram técnicas, na incapacidade para construir algo diferente das bolas diretas ao corpulento ponta-de-lança Wood e da batalha que se seguia pelas segundas bolas que dele nasciam. E eram sobretudo táticas, pela indefinição entre as zonas do campo a ocupar em organização defensiva – o meio-campo a três basculava para o lado da bola, para evitar deixar aquele corredor lateral ou o central mal preenchido, mas expunha-se demasiado a variações rápidas de flanco, deixando o lado contrário totalmente aberto – e sobretudo pela forma como cometia hara-kiri em momentos de transição defensiva. “Fico triste pelo resultado pesado, mas sei que ele só aconteceu porque corremos demasiado livres na segunda parte”, lamentou-se no final do jogo Anthony Hudson, o treinador da Nova Zelândia. Viu bem, mas isso não aconteceu só na segunda parte. Já na primeira foram vários os momentos em que os neo-zelandeses perderam a bola com apenas três ou quatro elementos atrás, expondo-se a rápidas ofensivas portuguesas que não deram mais golos porque os campeões europeus não estavam numa tarde particularmente concentrada.

Esse défice de concentração, aliás, viu-se logo de início. Fernando Santos não quis passar a tal mensagem de facilidade e colocou três totalistas em campo desde o início: Rui Patrício, Pepe e Ronaldo. Ainda assim, a equipa pareceu entrar desconcentrada e a perder mais passes do que mesmo o mau estado da relva, bonita de ver mas demasiado irregular, poderia justificar. Isso resultou num início de jogo demasiado equilibrado para a diferença real entre as duas seleções. Só quando Quaresma e Ronaldo resolveram combinar é que as coisas mudaram e, a partir dos 20’, a seleção nacional assumiu o comando, acabando com o ímpeto inicial do adversário. O golo foi, então, uma questão de minutos, pois depois de dois cruzamentos de Quaresma, seguidos de cabeceamentos de Ronaldo, terem acabado nas mãos do guarda-redes adversário e na barra, Portugal foi ganhando cantos atrás de cantos. Num deles, Danilo foi derrubado, oferecendo a Ronaldo a possibilidade de abrir o marcador de penalti. Menos de cinco minutos depois, uma boa combinação entre Eliseu e Quaresma, a conseguir o 2x1 a que muitas vezes ficam sujeitas as equipas que jogam com três centrais, acabou com o lateral a cruzar rasteiro da linha de fundo para o 2-0, marcado por Bernardo Silva. Jogo resolvido, faltava arrumar a questão do primeiro lugar.

Santos terá aproveitado o intervalo para pedir concentração permanente aos jogadores, mas a Nova Zelândia voltou a entrar melhor. Pizzi já estava em campo, arrumado à esquerda, a fazer o papel que tem sido de André Gomes – de médio-ala mais contido e dado a explorar o espaço interior, por oposição ao extremo que joga na direita – e Neto aquecia, pronto para substituir Pepe, quando este viu o amarelo fatal. A expressão do selecionador disse tudo e ele nem sequer teve o cuidado de esconder a frustração no final da partida. “Perdeu uma bola que não devia perder e fez uma falta que não devia fazer”, disse o selecionador nacional, que dessa forma acabou por travar a substituição de Pepe e pode ter deixado Neto como único jogador de campo sem minutos na prova – em princípio, nas meias-finais, será José Fonte a jogar ao lado de Bruno Alves, ele que até começou a prova como titular.

O jogo, dali para a frente, só tinha um motivo de interesse: saber se Portugal acabaria ou não em primeiro lugar. O México já ganhava à Rússia em Kazan, por 2-1, e sabia-se que para serem primeiros os portugueses tinham de acabar com mais um golo de vantagem do que os centro-americanos no seu jogo. Queria isto dizer que um golo do México ou um golo da Nova Zelândia chegariam para virar a tabela. Acabaram por acontecer dois, mas para Portugal, que entretanto chamara Nani e Gelson ao jogo, por troca com Ronaldo – mudando para 4x3x3, com Pizzi ao meio e o recém-entrado à esquerda – e Quaresma. Depois de assistir a mais duas grandes defesas de Marinovic, André Silva marcou mesmo, num dos tais contra-ataques, que apareceu na sequência de uma recuperação de Quaresma. E Nani também deixou a sua marca nos 4-0 que punham um ponto final na questão e asseguravam a Portugal uma dupla vantagem competitiva daqui para a frente: vai jogar a meia-final na quarta-feira em Kazan, com um dia de recuperação a mais do que o outro semi-finalista, que ainda joga amanhã; e depois, passe à final ou acabe forçado a jogar o desafio de atribuição do terceiro lugar, volta a ter um dia extra de recuperação em relação ao adversário, que só joga a meia-final na quinta-feira.