O treinador que ganhou sempre títulos por onde passou surge como o provável salvador de Itália
Está escolhido. Carlo Ancelotti, ou “Carletto” como é conhecido em Itália, é o preferido pelos responsáveis da Federação transalpina para suceder a Gian Piero Ventura no comando técnico da seleção italiana. Tudo depende, no entanto, segundo ressalva a edição “online” da “Gazzetta dello Sport”, da capacidade de resposta dos dirigentes face às exigências do mais titulado treinador do futebol italiano, um treinador que ganhou sempre títulos por onde passou. De Itália a Inglaterra, passando por Espanha, França e, mais recentemente, Alemanha.
O prestigiado jornal italiano garante que o dinheiro é um fator secundário, mas Ancelotti exige um novo projeto, criado de raiz, bem como a aposta no rejuvenescimento da seleção perante um país ainda em estado de choque face ao afastamento do Mundial a ter lugar na Rússia no próximo ano.
Carlo Ancelotti, de 58 anos, tem uma carreira repleta de títulos. Tudo começou em 1999 com a conquista de uma modesta Taça Intertoto ao serviço da Juventus, depois de tremenda carreira como jogador. Mas foi no Milan que o treinador italiano ganhou o prestígio que o conduziu aos melhores palcos da Europa. Ao serviço do clube de Berlusconi, conquistou duas Ligas dos Campeões (2002/03 e 2006/07), um Campeonato, uma Taça, uma Supertaça de Itália e uma Supertaça Europeia, bem como uma Taça do Mundo de clubes, em 2007. Deu, então, um pulo até à Premier League. O Chelsea foi o destino. E mais uma vez não lhe faltou razões para sorrir: foi campeão em 2009/10, arrecadou a Taça e a Supertaça britânica. Chegou, então, a vez do Paris Saint-Germain, onde esteve apenas uma época, o suficiente para sagrar-se campeão francês.
A saída de José Mourinho do Real Madrid encurtou a estadia do italiano por terras de França. Na capital espanhola, na companhia de Cristiano Ronaldo, conqusitou tudo o que havia para conquistar: a Liga dos Campeões em 2013/14; o Mundial de clubes e a Supertaça europeia, em 2014, bem como a Taça do Rei. Depois do Real Madrid, seguiu-se o Bayern, onde para não variar se sagrou campeão alemão na época passada. À Bundesliga, juntou-se a Taça e a Supertaça. A expressiva derrota com o Paris Saint-Germain (0-3) na edição deste ano da Liga dos Campeões como consequência da má-relação com alguns jogadores acabou por conduzi-lo à saída.
Um admirador da… Rainha Isabel
O regresso a casa, o mesmo é dizer a seleção italiana, onde brilhou intensamente enquanto jogador, é agora o passo mais provável de um verdadeiro “globetrotter”, que tem uma admiração muito particular pela Rainha Isabel. “Joguei, e ganhei, uma final da Taça de Inglaterra pelo Chelsea. Quando o príncipe William me desejou boa sorte queria perguntar-lhe pela avó mas faltou-me a coragem. Tenho admiração, veneração pela rainha Isabel. É fascinante. Gostaria de a conhecer mas não sei muito bem como. Não se pode telefonar para Buckingham Palace e dizer “olá sou o Carlo, posso falar com a Isabel?” Resta-me continuar a ganhar para ver se ela dá conta da minha existência”, refere Ancelotti, nas memórias escritas na primeira pessoa, através de um livro chamado “Prefiro a Copa: Vida, Jogos e Milagres de Um Génio Normal”.
No mesmo livro, Carlo Ancelotti conta a relação de respeito que tem com José Mourinho, embora não o possa considerar um amigo. “Em Itália travámos diálogos duros e não gostávamos um do outro, mas mudei a minha opinião sobre ele quando fui treinar o Chelsea. Servi-me às vezes do seu arquivo de treinos. Na véspera da eliminatória para a Liga dos Campeões, em Milão, no dia 24 de Fevereiro de 2010, encontrámo-nos no túnel de acesso ao relvado. Apertámos as mãos, dissemos um ao outro “zero confusão, zero controvérsia” e chegámos a um acordo. Não creio que alguma vez venha a ser amigo do José mas temos um respeito recíproco. Quando ganhei a Premier League pelo Chelsea, escreveu-me um SMS a dizer “Champanhe”. Quando ele foi campeão italiano pelo Inter, escrevi-lhe “Champagne, mas não demasiado”.”
A irritação relativamente a Fábio Capello, que qualifica de “grunho da pior espécie” é reconhecida abertamente pelo mago transalpino. “Capello é um maestro a ler o jogo, levanto-lhe o chapéu. Mas como ser humano é um grunho da pior espécie. Não sabia falar com os jogadores e não gostava de discutir questões tácticas connosco. Por isso eram frequentes os choques verbais. Um dia Capello estava a ler uma entrevista do Gullit e disse-lhe: “Ruud, disseste coisas que não são verdade, és um mentiroso.” Gullit, sem pestanejar, atirou-se a ele. Mãos no pescoço e “vou pôr-te os pontos nos is”. A maioria dos jogadores puxava por Ruud mas decidimos separá-los para evitar males maiores.”
Em contraponto, Ancelotti revela profunda admiração pelo que designa de “genialidade” de Arrigo Sacchi. “O Milan quis contratá-lo a todo a custo em 1987, mais até que Van Basten ou Gullit, e só depois é que se percebeu porquê. Sacchi amava futebol, respirava futebol, sonhava com futebol. Às vezes ouvíamo-lo a falar alto durante o sono, coisas como “corre a diagonal, corre a diagonal!” Nunca parava, desenhava-nos tácticas à porta do quarto de hotel, treinávamos de uma maneira pouco humana com a repetição exaustiva dos exercícios. Era um génio, não um louco. Por isso fomos os reis do mundo por dois anos.”
A admiração por Sacchi era, noutro patamar, extensível a Zidane, um “ET”, segundo afirma o provável futuro selecionador de Itália.”Cada vez tenho mais a certeza que treinei um ET. Zidane era um espectáculo, um show diário. Só tinha um defeito: raramente marcava golos, porque não passava muito tempo na grande área. Parecia alérgico aquela zona, mas era um maestro no resto. Ele inventava, nós víamos. Eu observava porque era o meu trabalho, os companheiros também porque não podes desviar os olhos de uma obra de arte.”
Num livro verdadeiramente marcante, Carlo Ancelotti até ao cinema viajou, lembrando Oliver Stone e Al Pacino ou um discurso mobilizador que lhe serviu de motivação. “Uns dias antes da final da Liga dos Campeões-2003 com a Juventus, abdiquei do treino e convidei os jogadores para uma mini-sala de cinema. Eles instalaram-se, eu fechei as luzes e meti aquela cena de “Um Domingo Qualquer”, de Oliver Stone. O discurso de Al Pacino antes de um jogo crucial de futebol americano falava de “a vida é uma questão de jardas, como o futebol. Em cada jogo, na vida ou no futebol, a margem de erro é assim, mínima. Por isso, ou sobrevivemos como equipa ou morremos como indivíduos.” Além do discurso, preparei um DVD com as imagens da caminhada para a final. Quando liguei as luzes, todos estavam com pele de galinha. Ganhámos essa final e eu não fui nomeado para os Óscares como melhor realizador.” Ancelotti, na primeira pessoa, no seu melhor.