Grande Futebol
Burnley FC, Sean Dyche e o triunfo do futebol à antiga nos tempos modernos
2017-11-06 23:05:00
Burnley FC é a grande surpresa do futebol europeu esta temporada e até já jogou contra muitos dos candidatos ao título.

Uma vitória, quatro empates, sete pontos. Na Premier League em 2016/17, só mesmo o Hull City fez pior que o Burnley FC no que à campanha forasteira diz respeito. Se a equipa de Sean Dyche assegurou a manutenção com seis pontos de vantagem sobre a linha de água, condenando, por exemplo, a equipa de Marco Silva à despromoção, esta época a história é bem diferente. Aquela que era uma equipa que conquistava, acima de tudo, pontos em casa, esta época, os Clarets surgiram transfigurados como uma das equipas mais completas de toda a Premier League. Prova disso é o atual sétimo lugar do Burnley, em igualdade pontual com o quinto (Liverpool) e já depois de ter defrontado clubes como o Chelsea, o Tottenham, o Liverpool, o Everton, o West Ham, o Manchester City ou o Southampton, emblemas de dimensão e riqueza bastante superior à do Burnley. Mais dos que a classificação do Burnley, porém, salta à vista uma equipa organizada, personalizada, que soube corrigir de uma temporada para outra os seus pontos fracos. Tanto, que por esta altura o conjunto orientado por Sean Dyche se estabelece como a grande surpresa da época nas grandes ligas europeias. 

Stamford Bridge, agosto de 2017. Golos de Sam Vokes, dois, e de Stephen Ward, permitiram ao Burnley entrar na nova temporada da melhor forma. Em apenas um jogo, logo no encontro inaugural da temporada, o Burnley venceu tantas vezes fora de casa como em toda a temporada passada. Em apenas um jogo, o Burnley conquistou praticamente metade dos pontos que alcançou na temporada passada. Mais do que um dos resultados mais surpreendentes da temporada, e logo à primeira jornada, o resultado alcançado pelo Burnley em Stamford Bridge, estabeleceu-se como a primeira amostra de uma equipa que chegou à nova temporada para surpreender. Uma equipa que faz o adepto viajar no tempo. Um futebol que não parece ter lugar nos tempos que correm.  

Sean Dyche é um homem especial. Num tempo em que muitos se mostram obcecados pela posse de bola e pela construção a partir da defesa, Dyche traz na voz, no pensamento, na ação, um futebol que evoca a tempos passados. Ver o Burnley jogar, no seu sistema, no seu idioma, na sua personalidade, é ver uma equipa desafiar o calendário. Ver o Burnley jogar é recuar ao tempo em que o 4-4-2 era rei, as duplas defensivas, de meio campo, ataque, eram raínhas. De quando a bola queimava linhas em passe longo. Estratégia que Dyche não defende, mas aproveita. "Bola longa, bola curta... o futebol é acerca da bola certa", define Dyche de forma simples justificando que joga o futebol certo para os jogadores que tem. Dyche não utiliza muitos jogadores. Nunca o fez. Esta temporada, como em muitas das anteriores, o Burnley é a equipa da sua liga que menos jogadores utilizou. Em onze jornadas, apenas 17 jogadores foram utilizados por Sean Dyche. Na época da rotatividade, Dyche é fiel ao seu núcleo duro e não são os jogos sucessivos que desmontam a filosofia do inglês.  

"Nenhuma equipa alguma vez piorou por estar e ser bem organizada", defende também Sean Dyche. No dicionário do futebol, por esta altura, organização parece ser sinónimo de Burnley. Defesas que defendem, atacantes que atacam. Sem misturas. "Defender é uma arte em vias de extinção e eu acho que é parte fulcral do futebol. Podem perguntar a qualquer treinador do país, a principal dificuldade que têm é em encontrar defesas que saibam defender, e acima de tudo, que queiram defender. Nós trabalhamos isso com os nossos defesas, com todos eles". Dyche não descura o trabalho defensivo, nem poderia, dado o seu passado enquanto jogador. Abraça-o com força e, com isso, o Burnley tornou-se numa das equipas mais difíceis de desmontar da Premier League. Dura como o era o seu próprio treinador, antigo defesa central. Em onze jornadas já disputadas, apenas Manchester United, Manchester City e Tottenham sofreram menos golos que o Burnley. O sentido posicional e organização do Burnley impressionam. Nenhuma equipa bloqueou tantos remates na Premier League como o Burnley, ou efetuou tantos alívios de bola quanto a equipa de Sean Dyche. Neste particular, James Tarkowski tem estado em especial evidência sendo o jogador da Premier League que mais remates bloqueou até agora e mais remates bloqueia, em média, por jogo. 

James Tarkowski é o melhor exemplo da resiliência e identidade do Burnley. Britânico, contratado a baixo custo e nas divisões inferiores de Inglaterra. Como grande parte da equipa do Burnley. Desde o regresso à Premier League em 2016, das dezassete contratações efetuadas pelo Burnley, apenas três delas não são fluentes em inglês: Steven Defour, Gudmundsson e Lindegaard, sendo que tanto Gudmundsson e Lindegaard têm já vários anos de carreira passados em Inglaterra. Poucas equipas na Premier League têm ainda uma identidade e matriz tão britânica quanto a do Burnley, à qual nem um pinheiro de área falta. Ou dois. Seja ele Sam Vokes ou Chris Wood, contratado este ano ao Leeds United depois de se ter sagrado o melhor marcador do Championship na temporada passada, logo após a saída de Andre Gray para Watford. Mesmo perante as saídas de dois dos jogadores mais importantes do Burnley na temporada passada, Andre Gray e Michael Keane, o Burnley melhorou e vai protagonizando uma das grandes surpresas do futebol europeu esta época. Contudo, apesar do muito dinheiro ganho pela equipa do Burnley com a venda de ambos os jogadores e da própria presença na Premier League, a investida no mercado não foi particularmente dispendiosa. Dyche explica: "Todos gostamos de comprar qualidade onde ela existe, mas uma das coisas mais importantes para mim, no futebol, é desenvolver jogadores". O mesmo Dyche que não acredita que os jovens jogadores devam ser influenciados por grandes questões táticas. Em idades precoces, para Dyche, importante é que os mesmos tenham liberdade e se expressem em campo. 

A temporada do Burnley, ou o trabalho de Dyche que vem tornando o clube num dos mais sólidos e personalizados da Premier League têm passado em claro. O técnico britânico é hoje um dos mais respeitados em Inglaterra, e líder na casa de apostas a um lugar em clubes de maior estatuto como Leicester, West Ham ou Everton. Os tempos de esperar 34 jogos pela primeira vitória fora de casa já lá vão e quando o futebol doméstico mete uma folga para receber o futebol de seleções, o Burnley encontra-se instalado na sétima, que é quinta, posição de uma das maiores competições de futebol mundiais. Em Burnley, Sean Dyche tem trabalho para a vida. Nem de lá saiu quando em 2014/15 os Clarets caíram ao Championship com Dyche no comando, o mesmo Dyche que em 2016/17 levou o Burnley a uma manutenção inédita na Premier League. "Eu não a fugir de Burnley. Nunca disse que queria sair daqui sequer", referiu ao Guardian há poucas semanas, quando toda a imprensa inglesa o colocava como certo como novo treinador do Everton. Sean Dyche é um homem especial, mesmo que o próprio o rejeite. Não é Mourinho. Não é o "Special One", mas, sim, o "Ginger One". O homem que liderou o Burnley a três vitórias e um empate em outubro, feitos que o nomeiam candidato ao prémio de melhor treinador do mês na Premier League. Feitos que o Daily Mail apelida de milagres.