A ideia de jogo positivo do treinador tem sido discutida por razões erradas. A vitória frente ao Real Madrid vai ajudar.
A vitória no Santiago Bernabéu, frente ao Real Madrid, na noite do regresso de Cristiano Ronaldo, terá sido mais um balão de oxigénio do que uma bofetada de luva branca de Quique Setién aos que contestam o estilo do novo Betis, que quer sempre jogar, ter a bola, tocá-la desde o início da construção. O facto de o treinador cântabro estar a colocar muitas vezes o foco nos erros que a sua ideia de jogo pressupõe, no sentido de os tornar aceitáveis, tem deixado adeptos e jornalistas mais “resultadistas” em estado de alerta permanente. Esses serão os mais descansados depois do jogo de ontem, um jogo no qual o guarda-redes Adán fez com que se falasse mais das suas defesas do que das qualidades que vai demorando a exibir como primeiro jogador de campo na tal saída de bola mais arrojada.
Em Madrid, o Betis não renegou o estilo que o treinador adotou desde sempre. Aliás, Setién fez o anúncio formal quando assinou contrato pelos verde-e-brancos de Sevilha: “A partir de agora, a forma de jogar do Betis é a minha forma de jogar. Eu sempre acreditei que ter a bola é melhor do que correr atrás dela e o clube sabe muito bem o treinador que contratou”, disse. A questão, em Madrid, é que do outro lado estava o bicampeão europeu, equipa capaz de forçar os béticos a uma posse de bola de apenas 40 por cento e de criar inúmeras ocasiões de golo, umas negadas por Adán, outras por cortes in-extremis dos defensores, outras ainda pelo poste ou por más finalizações. E aqui, mais uma vez, Quique Setién achará que se está a discutir os factos errados, como aconteceu depois da derrota frente ao Villarreal CF. Que toda a gente vai falar das defesas de Adán – quando a ideia tradicional é a de que o guarda-redes está lá para isso e não para ser o primeiro a assumir a construção – ou dos falhanços dos jogadores do Real Madrid e não do facto, também incontestável, de o Betis também ter sido capaz de criar inúmeras situações de golo na área madridista.
Os nove pontos que o Betis soma em cinco jornadas – mais um que o Real Madrid, por exemplo – não estão acima nem abaixo do esperado, mesmo tendo-se em conta que a equipa já foi jogar com o FC Barcelona a Camp Nou e com o Real Madrid ao Bernabéu. Mas aquilo de que ninguém gostou foi da derrota em Villarreal, porque tudo se encaminhava para um bom resultado até ao erro de Adán. Não foi um frango. Foi uma tentativa de sair a jogar sob pressão que conduziu a uma perda de bola para Bacca, à saída de pequena área. O avançado colombiano fez nessa altura o empate, o jogo acabou com uma derrota por 3-1 e no rescaldo só se falou das vantagens e das desvantagens de sair a jogar em vez de se bater a bola em chutão para o ar. Quique Setién não gostou. “Acho que podiam antes centrar a discussão no nosso golo”, queixou-se depois, com alusão ao golo inaugural da partida, marcado por Sergio León, após jogada com 17 passes, que envolveu também o guarda-redes. Foi, de acordo com a Opta, o golo mais elaborado do Betis desde 2005.
A polémica, contudo, não veio daí. Veio da insistência com que o treinador defendeu o direito a errar. “Vai acontecer mais vezes. Se não for com o guarda-redes vai ser com os nossos defesas-centrais. Mas esse risco assumo-o eu. Eu exijo-lhes que joguem assim e se erram a culpa é minha”, afirmou, convicto de que esta forma de jogar traz à equipa “muito mais benefícios do que prejuízos”. Adán, aliás, manteve essa forma de jogar no Bernabéu, com a confiança reforçada pelo que ouviu do treinador. “Ele tem 30 anos e toda a vida lhe disseram uma coisa. Agora eu chego aqui e digo outra. É natural que ele tenha de se adaptar às minhas ideias. Não se muda da noite para o dia”, explicou Setién.
Bem instruído, Jordi Amat reforçou o pensamento do treinador à Betis TV: “Qualquer um pode ter um mau controlo, uma má receção. Mas o ‘mister’ diz-nos que prefere que falhemos tentando jogar, trocar a bola, do que nos fechemos lá atrás e despejemos a bola em cada saída”. Foi para por estas ideias em prática que o Betis se reforçou durante o Verão. Foi por isso que chegaram o ex-portista Tello (ex-Fiorentina), o ex-sportinguista Campbell (vindo diretamente de Alvalade) ou o ex-benfiquista Javi Garcia (ex-Zenit), bem como o ponta-de-lança Sergio León (ex-Osasuna), os médios Boudebouz (ex-Montpellier), Camarasa (ex-Alavés) ou Guardado (ex-PSV Eindhoven), mas também os defesas Amat (emprestado pelo Swansea), Feddal (ex-Alavés) e Barragán (ex-Middlesborough).
É com esta equipa reformulada que Quique Setién quer dar um passo em frente numa carreira que foi sempre coerente mas à qual, aos 58 anos, ainda faltam conquistas. É verdade que subiu o Racing Santander depois de ter passado, a meio da época, de diretor desportivo a treinador, em 2001/02. Ou que repetiu a proeza, um escalão abaixo, com o Lugo, que promoveu à II Liga em 2011/12. Mas a sua experiência de dois anos com a UD Las Palmas no escalão principal, saldada com um 11º e um 14º lugar, não fizeram com que se falasse da equipa da Canárias a não ser pelo estilo de jogo. Só pode ter sido por isso que, dois anos depois de subir, tendo-os passado entre o meio e o fundo da tabela, o Betis se lembrou dele. Aí tem razão Quique Setién: “O Betis sabe o treinador que contratou”.