Grande Futebol
As finais de Portugal (V): Irlandeses afundados pela magia de Rui Costa
2017-10-09 23:00:00
Rui Costa, Hélder e Cadete colocaram um ponto final na travessia no deserto das seleções nacionais e Portugal no Euro 96

Se hoje em dia encontrar Portugal por uma fase final de uma grande competição de seleções, com maior ou menor dificuldade na fase de qualificação, é já um acontecimento habitual, a história pré Europeu de 1996 é bem diferente. Desde o torneio inglês que Portugal não falha uma presença num campeonato da Europa (e só em 1998 falhou uma participação numa fase final do campeonato do Mundo), uma sequência que vai já em seis presenças consecutivas no maior torneio de seleções a nível europeu. Das 11 últimas grandes competições de seleções, em apenas uma delas Portugal não esteve presente na sua fase final. 

Quando Portugal se qualificou para o Europeu de 1996, porém, o contexto futebolístico português era bem diferente. Antes do torneio inglês Portugal só havia estado numa fase final de um campeonato europeu, em 1984, com o europeu de 96 a coincidir com o décimo aniversário da última participação portuguesa numa grande competição de seleções a nível Mundial. Em Inglaterra passar-se-iam dez anos do Mundial do México de 1986, até então, a mais recente participação de uma seleção portuguesa numa fase final de um torneio de seleções. Cientes deste interregno estavam os jogadores da seleção portuguesa que enfrentou a República da Irlanda em 1995, um jogo que seria decisivo para o apuramento direto, ou não, de Portugal, para o Euro 96 a ser disputado em Inglaterra. Hélder Cristóvão foi um dos defesas centrais titulares e ao Bancada garante que apesar da pressão que estava inerente à partida, a confiança na vitória e no apuramento era total. 

Portugal e República da Irlanda defrontaram-se a quinze de novembro de 1995 num jogo que era decisivo para ambos os conjuntos. Um empate colocaria Portugal no Europeu 96 mas uma vitória dos irlandeses deixaria a seleção portuguesa à mercê do play-off de qualificação para o torneio britânico. Como recorda Hélder ao Bancada, um jogo disputado sob chuva forte e perante um Estádio da Luz repleto. Um jogo de importância capital, mas que nem por isso abalou a confiança dos jogadores. "O estado de espírito era de otimismo. Nós sabíamos que tínhamos uma excelente seleção e que tínhamos percorrido um caminho enorme e terrível. Há muito tempo que ambicionávamos e procurávamos uma qualificação, mas só dependíamos de nós. Sabíamos que tínhamos tudo para o conseguirmos e não íamos desperdiçar essa oportunidade".  

Portugal recebeu a República da Irlanda no último jogo do Grupo 6 da fase de qualificação para o Europeu de 1996 sabendo que um empate seria o suficiente para colocar Portugal no torneio. Até então, Portugal vencera seis jogos, empatado dois e somado uma derrota precisamente perante a República da Irlanda, em Dublin, em função de um auto golo de Vítor Baía em cima do intervalo. A República da Irlanda, por seu lado, três pontos atrás de Portugal em função de cinco vitórias, dois empates e duas derrotas, precisava de uma vitória na Luz para alcançar a fase final do torneio disputado na vizinha Inglaterra. Do país britânico, mesmo numa altura em que o estudo ao adversário não era tão evoluído, chegava uma equipa que não tinha como surpreender Portugal. Como Hélder conta ao Bancada, grande parte da chave de uma possível vitória portuguesa passava pelo seu trabalho e pelo do parceiro da defesa Fernando Couto. 

"Sabíamos que a Irlanda era uma equipa muito forte no confronto físico, esticava muito o jogo, com uma referência lá na frente que era o Niall Quinn", recorda-nos o agora treinador da equipa B do Benfica, autor de um dos golos de Portugal naquela noite. "A Irlanda jogava com uma primeira bola muito longa e nós tínhamos de estar muito atentos e seguros nas segundas bolas. Lembro-me que a estratégia passou pelo Fernando Couto basicamente atacar todas as primeiras bolas e eu estar mais próximo das segundas bolas", avaliou o antigo defesa central. "Acima de tudo estávamos confiantes. Sabíamos que se nós conseguíssemos ter critério na circulação de bola não íamos correr o risco de não conseguir esse apuramento, mesmo sabendo que no futebol nada é exato". 

A verdade é que a estratégia de António Oliveira resultou na perfeição. Não só Portugal conseguiu anular o maior poderio físico irlandês bem como a grande referência da equipa, como apesar da noite chuvosa conseguiu ter o tal critério na circulação de bola. Exemplo maior disso foi o golo alcançado por Rui Costa aos 59 minutos, ainda hoje, um dos melhores da história da seleção nacional com o médio a fazer um chapéu de longa distância a Allan Kelly após assistência de João Vieira Pinto e depois de uma jogada de envolvimento coletivo. Para muitos, o apuramento esteve naquele golo mas a confirmação definitiva chegou quinze minutos depois. Hélder, num cabeceamento triunfal após canto de Folha, colocou um ponto final no sonho irlandês, colocando Portugal com um pé no Euro 96. Os próprios festejos dos jogadores portugueses, abraçados em círculo e em salto sincronizado, isso o indiciava. A noite, porém, não ficaria completa sem um golo de Jorge Cadete já a bater no minuto 90. Portugal vencia aquela final e dez anos depois estava de regresso a uma grande competição de seleções. 

Apesar do empate ser suficiente para Portugal garantir um lugar junto dos restantes quinze participantes na fase final do Europeu 96, Hélder Cristóvão garantiu ao Bancada que a mentalidade foi sempre a de jogar para ganhar. "Ganhar. A mensagem foi sempre de jogar para ganhar. Até para presentear as pessoas e o povo português com uma vitória e não deixarmos dúvidas. Certezas de que não foi uma qualificação 'à rasquinha', de que era uma qualificação segura, com muito mérito de muita gente. Queríamos terminar bem. Sei que havia uma vontade enorme antes do jogo começar e que a partir do primeiro golo foi uma libertação de adrenalina e que nós sentimos mesmo que íamos conseguir, primeiro o apuramento, e depois que íamos conseguir ganhar o jogo", conclui Hélder Cristóvão titular na partida frente à República da Irlanda e presença em seis dos dez encontros da fase de qualificação rumo ao Euro 96. Em Inglaterra, Hélder foi titular absoluto da seleção portuguesa que ultrapassou a fase de grupos e apenas caiu aos pés da finalista República Checa nos quartos de final do torneio.  

Portugal: Vítor Baía (Neno 85'), Secretário, Hélder, Fernando Couto, Oceano, Paulo Sousa, Luís Figo, João Pinto (Folha 71'), Domingos (Cadete 71'), Rui Costa e Paulinho Santos. Treinador: António Oliveira

República da Irlanda: Alan Kelly, Gary Kelly, Denis Irwin, Phil Babb, Paul McGrath, Jason McAteer, Mark Kennedy, Jeff Kenna, Niall Quinn, John Aldrige e Steve Staunton. Treinador: Jack Charlton

Data: 15 de novembro de 1995

Local: Estádio da Luz, Lisboa

Golos: Rui Costa (59'), Hélder (75') e Cadete (89')