Karl-Heinz Rummenigge considerou Carlo Ancelotti um amigo mas diz ter sido obrigado a tomar uma decisão profissional
Se há assuntos pouco habituais no futebol, dois deles, estão relacionados com o Bayern Munique e com Carlo Ancelotti. Hoje, de forma quase astral, esses dois assuntos convergiram. Numa decisão muito pouco típica alemã, e de caráter bem mais latino, o Bayern Munique despediu Carlo Ancelotti ainda antes de terminar setembro. Algo que nunca se tinha sucedido em toda a história do clube alemão desde que o mesmo ascendeu à Bundesliga em 1963. O anterior técnico que havia sido despedido ainda antes de chegar a dezembro foi Jupp Heynckes, no já longínquo ano de 1991 quando o antigo técnico benfiquista acabou despedido a oito de outubro. Nenhum treinador da história do Bayern após a ascensão do clube à Bundesliga orientou o clube em tão poucos jogos quanto Carlo Ancelotti que, por seu lado, apesar de raramente ultrapassar a segunda temporada no mesmo clube, nunca havia sido despedido antes de uma temporada terminar.
Quando ontem no final da partida perante o PSG que, em Paris, resultou na derrota do Bayern Munique, Arjen Robben se escusou a responder a perguntas relacionadas com o futuro de Carlo Ancelotti toda a imprensa se precipitou em avançar um possível caso de desentendimento entre balneário e técnico italiano. Algo raramente visto na carreira de Ancelotti, habitualmente tido como um técnico apaziguador, característica que o terá mesmo levado até Madrid para orientar o Real Madrid entre junho de 2013 e maio de 2015. O portal Focus fez manchete desde logo assumindo ter terminado a Era Ancelotti por Munique. O Bild, por seu turno, na análise ao encontro de Paris foi crítico dos jogadores mas não deixou de questionar as escolhas de Ancelotti ao colocar em campo, por exemplo, Alaba, “um buraco defensivo” e Vidal, retornado de lesão e sem ritmo de jogo para o diário alemão e que o Bild descreveu como flop. A Kicker avaliou negativamente o plano de jogo do Bayern, assumindo Ancelotti como o derrotado da noite. Algo, aliás, replicado pelo histórico Oliver Kahn que após o jogo confessou não conseguir perceber qual a ideia e modelo de jogo da equipa alemã. “Não existe plano de jogo, não há ideias, não há mecanismos, especialmente, durante o momento defensivo da equipa”, referiu o antigo guarda redes internacional alemão. Críticas com peso que certamente não terão ajudado à causa de Ancelotti por Madrid.
Se é certo que o italiano raramente ultrapassou as segundas temporadas nos clubes que representou, a verdade é que Ancelotti só havia sido despedido dos clubes que orientou após a temporada terminar. Exceção feita à dispensa da Juventus mas, até aí, Ancelotti foi despedido durante o intervalo do último encontro da temporada. Na Alemanha, porém, os últimos meses não foram de paz. Desde as insatisfações de Thomas Müller, às questões da imprensa acerca da lesão de Manuel Neuer – questionando os métodos de treino de Ancelotti bem como a qualidade do trabalho da preparação física da equipa técnica italiana, factos veiculados há pouco pela Gazzetta dello Sport -, passando por algumas declarações enigmáticas das principais estrelas do clube, os sinais de fricção entre Ancelotti e o futebol alemão foram sendo cada vez mais intensos ao longo das últimas semanas.
Mais uma vez na carreira, Carlo Ancelotti não alcançou a terceira temporada ao serviço de um clube. A situação sucedeu em Parma, ao serviço da Juventus, do Chelsea, do PSG, do Real Madrid e, agora, do Bayern Munique. Porém, nunca na carreira o técnico italiano foi despedido tão cedo, dando força aos rumores veiculados na imprensa de uma cisão com o balneário do emblema germânico, bem como da iminente entrada de Ancelotti no campeonato chinês. Ao serviço do Bayern, Carlo Ancelotti orientou um clube ao menor número de jogos da carreira, sempre que iniciou uma segunda temporada em algum deles, claro está. O encontro perante o PSG foi o 60º do técnico italiano à frente do Bayern Munique e só na temporada de estreia enquanto treinador, ao serviço da Reggiana, Ancelotti disputou menos encontros. A promoção conseguida com o clube italiano valeu, na altura, ao técnico, um convite e ingresso no Parma, naquele que acabou por ser o único desafio de Ancelotti que não foi além de uma temporada apenas.
A saída de Carlo Ancelotti do Bayern Munique contrasta claramente com a forma como o mesmo chegou ao clube. Se Ancelotti deixou o Bayern de forma precoce esta temporada, Rummenigge anunciou a sua chegada ainda em dezembro de 2015, quase meio ano antes do italiano dar o primeiro treino ao jogadores do clube. A queda nos quartos de final da Liga dos Campeões e nas meias finais da Taça da Alemanha, aliadas à conquista da Bundesliga “apenas” à 31ª jornada, porém, são tidas hoje pela imprensa alemã como razões para o facto de Ancelotti nunca ter convencido particularmente os dirigentes e adeptos alemães, justificando ainda a “facilidade” da dispensa do técnico italiano com a, alegada, consecutiva menor qualidade do futebol praticado pela equipa. Algo confirmado, diga-se, pelo próprio Rummenigge que já hoje referiu “que a qualidade do futebol praticado pela equipa desde o início da temporada não tem correspondido aos padrões exigidos pelo clube”. Para a generalidade da crítica alemã, Ancelotti não conseguiu ser uma melhoria ao trabalho de Guardiola ou, sequer, igualar o desempenho do técnico catalão.
A dispensa de Carlo Ancelotti por parte do Bayern Munique chegou horas após da queda do clube alemão em Paris, por 3-0, e com o campeão alemão instalado na terceira posição da Bundesliga. Porém, nem por isso, deixa de ser surpreendente. Pelo seu estilo pessoal, Ancelotti parece ser um técnico ao qual são dadas condições para, pelo menos, disputar uma temporada completa. Além disso, enquanto clube, o Bayern Munique tem se assumido ao longo da história como um clube paciente e de gestão cautelosa. Desde a promoção do clube ao principal escalão do futebol alemão, em 1963, somente 26 técnicos passaram pelo banco da equipa da baviera e nem a ausência de titulos em temporadas dirigidas por nomes como Giovanni Trapattoni ou Otto Rehhagel significaram despedimentos a meio da temporada para os seus técnicos. A derrota em Paris, porém, assumiu contornos de gota de água com Karl-Heinz Rummenigge a assumir hoje que “o jogo em Paris mostrou claramente que teriam de existir consequências”, confirmando ter tido uma reunião com o diretor desportivo do clube, Hasan Salihamidzic, logo após o encontro de Paris de forma a discutir o futuro da direção técnica da equipa.
Ainda que o despedimento de Ancelotti a meio da temporada, por parte do Bayern Munique, não seja caso único na história do emblema alemão, a precocidade do mesmo é surpreendente. Desde a ascensão do Bayern à Bundesliga, nunca o clube alemão havia despedido um técnico tão cedo na temporada. Só Dettmar Cramer em 1977 e Jupp Heynckes em 1991 não chegaram ao Natal, enquanto Erich Ribbeck em 1993 e Felix Magath em 2007 acabaram despedidos entre a festividade natalícia e o ano novo. Heynckes era mesmo, até hoje, o técnico do Bayern Munique (desde 1963) que mais cedo havia sido despedido numa temporada mas, aí, o técnico alemão durou pelo menos até início de outubro. Há quase três décadas, portanto, que o Bayern não despedia um treinador ainda antes do mesmo chegar a dezembro, nem que para isso tivesse de o fazer a um técnico amigo do próprio presidente. “Lamento imenso o sucedido. O Carlo é um amigo, e será sempre, mas tivemos de tomar uma decisão profissional”, assumiu Karl-Heinz Rummenigge. Willy Sagnol, antigo jogador do clube e antigo internacional francês, irá assumir a equipa de forma interina este fim de semana e nomes como Jürgen Klopp, Thomas Tuchel e Julian Nagelsmann estão já a ser apontados ao lugar deixado vago por Carlo Ancelotti.