Grande Futebol
AFC Bournemouth: A equipa que teima em desafiar a lógica num sonho interminável
2018-10-03 11:00:00
O conto de fadas do Bournemouth não parece ter fim à vista e Eddie Howe continua a fazer milagres no sul de Inglaterra.

Não tivesse sido a conquista da Premier League por parte do Leicester City em 2015/16, e cabia totalmente ao AFC Bournemouth a designação de melhor história a surgir de Inglaterra em muitos anos. Ao clube do sul de Inglaterra não parece ser dado o devido valor, mesmo que os Cherries teimem em contrariar a lógica e a desafiar o seu estatuto e dimensão ao se tornar época após época numa equipa de Premier League consistente desde a promoção conseguida no final da temporada 2014/15. Este ano não é exceção e o sucesso do pequeno Bournemouth na Premier League não surge por acaso e é resultado de uma filosofia e identidade bem definidas.

Com o Watford em sexto lugar e o Bournemouth imediatamente a seguir, o início de temporada da Premier League tem sido repleta de surpresas. A cumprir a quarta temporada na Premier League após a promoção como vencedor do Championship, o Bournemouth é mesmo uma das maiores sensações da última década do futebol inglês e, quem sabe, da própria história da Premier League dada a história, dimensão e trajetória recente do conjunto do sul de Inglaterra. Ao leme, Eddie Howe, continua a confirmar a ideia de poder ser por esta altura o melhor treinador inglês da atualidade.

Sete jogos, quatro vitórias, um empate e duas derrotas. Por esta altura o AFC Bournemouth está instalado confortavelmente no sétimo lugar da Premier League na senda de mais uma vitória, desta feita caseira, perante o Crystal Palace, por 2-1. O sucesso não surge por acaso. Esta é uma equipa fiel aos seus princípios e não é por vários dos jogadores presentes no plantel dos Cherries terem estado com o clube na terceira divisão inglesa há poucos anos que Eddie Howe esquece a sua filosofia. Sim, em jogos contra o Chelsea, tal como sucedeu esta temporada, ou outros tubarões, o clube é encostado às cordas e passa a esmagadora maioria do encontro junto da sua baliza, porém, só quem assiste aos jogos do Bournemouth contra as principais equipas inglesas pode acabar enganado. Esta é uma equipa que joga como poucas.

Não acredita? As estatísticas ajudam a comprová-lo. Em sete jogos já disputados na Premier League esta temporada, certos modelos de análise estatística definem o Bournemouth como a terceira equipa da primeira divisão inglesa que mais e melhores oportunidades de golo criou somente atrás de Manchester City e Liverpool FC. Curiosamente, a pequena equipa inglesa até podia estar mais bem posicionada, já que as mesmos modelos de análise estatística comprovam que os 12 golos sofridos pelo Bournemouth são superiores aqueles que a equipa devia ter sofrido, oito, dadas as oportunidades de golo concedidas aos adversários.

Só excluindo as grandes penalidades já apontadas na Liga, e para o Bournemouth isso significou três golos, a equipa de Eddie Howe só perde para Wolves e Chelsea, além de City e Liverpool, no que aos golos esperados dada a quantidade e qualidade dos lances de golo criados diz respeito. Mesmo com um conjunto de qualidade claramente inferior e que muitos considerariam de Championship, colocando época após época o Bournemouth como candidado à descida de divisão, esta é uma equipa a jogar futebol expansivo e com uma identidade muito própria que certamente satisfaz os adeptos do “bom futebol”. É preciso é ver o Bournemouth jogar contra equipas “do seu campeonato”, claro está.

Segundo os modelos de análise de oportunidades de golo criadas ou de “golos esperados”, cada vez mais em voga na análise tática na informação desportiva (e que teima em não chegar a Portugal), ver um jogo do Bournemouth é esperar cerca de dois golos a favor por jogo. Algo apenas superado por City e Liverpool e igualado por Chelsea, com o Bournemouth, porém, a surgir a meio da tabela no que às oportunidades de golo concedidas diz respeito. Ou seja, apesar de atacar bem e de querer jogar futebol bonito e ofensivo, o Bournemouth é ainda uma equipa que sofre defensivamente, sendo esse o passo a dar e que ainda evita que o Bournemouth seja visto com outros olhos.

É que se em termos de organização defensiva e oportunidades concedidas em “bola corrida” o Bournemouth só conceder mais oportunidades de golo que City e... Wolves, o problema principal surge quando a equipa procura defender lances de bola parada. Esse é mesmo o calcanhar de Aquiles da equipa de Eddie Howe que é por esta altura a sétima equipa da Premier League que mais oportunidades de golo concede ao adversário em situações de esquemas táticos.

Por esta altura, o Bournemouth já não devia surpreender quem quer que seja. A cumprir a quarta temporada na Premier League, o emblema do sul de Londres tem sido responsável por um conto de fadas que teima em não terminar, parecendo não lhe ser dado o devido valor. Afinal, esta é a equipa que sob a orientação de Eddie Howe alcançou três promoções em seis anos, depois de ter estado à beira da extinção por dificuldades financeiras na época 2008/09 que até iniciou com uma dedução pontual de uns incríveis 17 pontos, acabando por se salvar ao cair do pano na temporada e dando início a uma trajetória absolutamente inacreditável desde então.

Em 2009/10 o Bournemouth subiu à League One como vice campeão, com Eddie Howe a liderar o clube ao playoff de promoção na temporada de regresso à terceira divisão em 2010/11. Em 2011/12 o Bournemouth registou uma temporada de consolidação na League One, atacando a subida mais uma vez como vice campeão na temporada seguinte. Em 2013/14 ficou às portas do play-off de promoção à Premier League, promoção que acabou por conseguir em 2015/16 vencendo o Championship praticando um dos futebóis mais bonitos em Inglaterra, independentemente da divisão disputada.

A cumprir a quarta temporada consecutiva na Premier League, o Bournemouth já não devia ser surpresa e Eddie Howe já merecia uma estátua à porta do estádio do clube. É que, mesmo vários anos depois de ter sido promovido da terceira divisão inglesa, nomes como Simon Francis, Steve Cook, Marc Pugh, Charlie Daniels ou Ryan Fraser ainda se encontram no clube, enquanto Harry Arter apenas este ano rumou a Cardiff, sendo que a esmagadora maioria do plantel que subiu à Premier League em 2014/15 está ainda em Bournemouth e continua a ser fundamental para Eddie Howe. Se tudo isto não é um milagre e um conto de fadas, então, nada no futebol o é.