Fora da Bancada
“A forma de avaliar e usar a informação de Rui Pinto é que é diferente”
2021-06-28 17:10:00
Poiares Maduro aponta a "contradição" no tratamento dado a Rui Pinto perante casos estrangeiros semelhantes

O jurista Miguel Poiares Maduro, ex-dirigente da FIFA e especialista em direito comunitário, apontou a “contradição” nos comentários a “casos idênticos” aos de Rui Pinto que acontecem no estrangeiro.

O comentário do ex-ministro foi feito a propósito da demissão de Matt Hancock, depois de um tablóide britânico ter publicado vídeos e fotografias do ex-ministro da Saúde a beijar uma assessora que ele próprio tinha nomeado.

A partir deste caso, Poiares Maduro apontou, através das redes sociais, a “diferença com Portugal”, referindo-se em particular ao caso de Rui Pinto, que está a ser julgado por um total de 90 crimes.

“O vídeo que conduziu (e bem) à demissão do ministro britânico da saúde foi obtido de forma ilegal, em violação da sua privacidade. Mas nem os media britânicos hesitaram em o usar (devido ao interesse público), nem o próprio invocou tal coisa em sua defesa”, realçou.

O ex-dirigente da FIFA insistiu que, em Portugal, “há tantos que se recusam a discutir os dados de interesse público revelados pela documentação revelada por Rui Pinto devido à sua (provável) obtenção ilegal”, mas que “não hesitam em noticiar e comentar casos idênticos estrangeiros sem notar a contradição”.

Numa série de posts no Twitter, Poiares Maduro optou por não abordar a demissão do ex-ministro da Saúde britânica, reiterando que estava a comentar “a contradição como o tema” do interesse público da informação, mesmo quando há dúvidas sobre a licitude da forma como foi obtida, “é tratado entre nós”.

“Deve ser avaliada como com qualquer outra documentação do mesmo tipo e usada em milhares de outros assuntos, dos Pentagon Papers aos e-mails da Hilary Clinton ou aos tax returns do Trump. Parece que entre nós a forma de avaliar e usar estas coisas é que é diferente”, insistiu.

De acordo com o jurista, “há que distinguir a punição da ilegalidade cometida e o interesse público na discussão do que a documentação revele”. Foi isso que aconteceu com a investigação dos Pentagon Papers, “que também foram ilegalmente obtidos, mas cujo interesse público justificou a sua revelação”.

“É por isso que é importante que esse tipo de informação passe pelo crivo de jornalistas que avaliem o seu interesse público e autenticidade. Foi assim com muita da documentação do Rui Pinto através de media estrangeiros. Achei mal quando não foi, não sei se por responsabilidade dele ou desinteresse dos nossos órgãos de comunicação social”, finalizou Miguel Poiares Maduro.

Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.