Prolongamento
"Só posso chamar Rui Pinto de ladrão"
2020-10-27 16:50:00
José Miguel Júdice ouvido em tribunal no âmbito do julgamento do processo Football Leaks

O advogado José Miguel Júdice, sócio fundador da PLMJ, classificou Rui Pinto como “ladrão”, ao ser ouvido na 17.ª sessão do julgamento do processo Football Leaks, no Tribunal Central Criminal de Lisboa.

Num testemunho por videoconferência, o sócio fundador da referida sociedade de advogados manifestou-se lesado pelo alegado ataque do hacker ao sistema informático da PLMJ.

"Fui visitado por esse senhor, que só lhe posso chamar ladrão e que, com grande violência moral e psicológica, me veio furtar. Não posso admitir em circunstância alguma que um cidadão, ainda que fosse com aparentes motivos nobres, faça o que foi feito comigo. É totalmente inadmissível do ponto de vista ético ou jurídico", afirmou José Miguel Júdice.

O antigo bastonário da Ordem dos Advogados considerou que uma invasão informática pode causar mais danos do que um furto à residência, dada a impossibilidade de ter noção das informações que foram acedidas.

“Acho mais grave um ladrão que me entrou no computador do que um que me tivesse entrado em casa”, garantiu.

José Miguel Júdice descartou ainda qualquer ligação relevante ao mundo do futebol entre os seus ficheiros pessoais, ao assumir ter apenas representado “há muitos anos” o Benfica no mandato de Manuel Vilarinho, entre 2000 e 2003.

Já sobre o caso ‘Luanda Leaks’ - que expôs em janeiro de 2020 alegados esquemas financeiros da empresária Isabel dos Santos e do marido, que lhes terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano através de paraísos fiscais -, o antigo sócio fundador da PLMJ reconheceu ter representado no passado “uma empresa que era detida, entre outras pessoas, por Isabel dos Santos”.

Outra das testemunhas ouvidas esta tarde foi a advogada Inês Pinto da Costa, igualmente do escritório PLMJ, que recusou responder a questões ligadas ao caso ‘Luanda Leaks’, cuja fonte é também Rui Pinto, escudando-se no sigilo profissional. Porém, foi mais expansiva nas respostas sobre o impacto pessoal de ver a sua caixa de correio eletrónica alegadamente acedida pelo criador do ‘Football Leaks’.

“Enquanto profissional é uma violação de todos os princípios e enquanto pessoa é pura e simples violação. É um sentimento muito difícil de ultrapassar saber que alguém entrou no nosso computador e que levou documentos pessoais e de terceiros, ainda que não haja publicação. Não significa que os documentos não tenham sido disponibilizados a terceiros. A partir do momento que são retirados, perde-se o controlo de quem a eles acede”, frisou.

Na sessão desta tarde foi também ouvido Nuno Morais Sarmento, advogado e antigo ministro cuja conta de email na PLMJ terá sido invadida por Rui Pinto.

“Vejo isto igual ao que veria se entrasse qualquer assaltante em minha casa e ao ser surpreendido por mim me dissesse: olhe estava aqui à procura a ver se havia aqui alguma coisa ilegal. É uma sensação de devassa, violação da nossa privacidade”, declarou, também por videoconferência.

As dificuldades técnicas na chamada por Skype com Nuno Morais Sarmento motivaram uma brincadeira do juiz presidente, a qual provocou uma gargalhada geral, incluindo de Rui Pinto.

“Que pena não termos aqui ninguém que perceba de informática na sala”, gracejou o magistrado.

O julgamento prossegue na quarta-feira a partir das 14h00 com as audições dos advogados Miguel Reis, Diogo de Campos e Sandra Lopes e as secretárias Mónica Dias, Fátima Bulhosa, Ana Paula Bago e Isabel Mascarenhas, todos na condição de testemunhas e ligados à PLMJ.

Na parte da manhã já tinham sido ouvidos outros advogados ligados à PLMJ, como o antigo sócio João Ramalho.

Rui Pinto, de 31 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.